Amigas e amigos,
O poeta cearense Francisco Carvalho (1927-2013) já esteve nesta página um bom punhado de vezes. Retorna agora, graças ao lançamento do livro
Escaladas do Chão e da Vertigem (2022), uma antologia de sua poesia organizada pelo poeta
Assis Lima e pela editora Karla Melo, para a Confraria do
Vento.
A antologia Escaladas do Chão e da Vertigem contém poemas extraídos de 21 livros de Francisco Carvalho, cobrindo um período que vai de 1971
(ano de publicação de Os Mortos Azuis) até 2009, quando saiu Exercícios de Utopia. A obra do poeta é ainda maior. Dela fazem parte
mais seis livros, publicados entre 1955 (Cristal da Memória) e 1969 (Memorial de Orfeu). No total, Francisco Carvalho publicou
34 títulos, todos de poesia.
Para a presente edição do boletim, selecionei sete poemas, com o cuidado de pinçar apenas poemas não incluídos em edições anteriores. Vamos à leitura.
•o•
O primeiro texto, “Poder da Palavra”, vem de O Silêncio é uma Figura Geométrica (2002). Nesse curtíssimo poema, o autor sintetiza algumas de
suas concepções sobre a arte poética. Em seu entender, basta uma palavra “para acordar os/ demônios/ que se hospedam/ no poema”. E também uma só palavra
é suficiente “para ferir de morte o poema”. Aí está o poder de um único vocábulo: sozinho, é capaz de acender a escorva lírica do poema ou, ao
contrário, de pôr a pique toda a estrutura em que o objeto se baseia.
O próximo texto é “Elegia da Casa Velha (3)”, um soneto memorial, no qual Francisco Carvalho relembra a habitação de sua infância, “casa espectral,
que o luar clareia”. A lembrança se encerra com os passos do pai, “passos de areia/ rumo à noite infinita das esferas”.
O próximo poema é “Reação em Cadeia”. Na página, o texto assume a feição gráfica de uma ponta de seta e enfeixa uma longa série de situações
(“um dia depois do outro/ um sonho depois do outro/ um mito depois do outro” etc. etc. Lamentavelmente, a primeira metade
da seta termina com
“um rapto depois do outro” e a segunda metade conclui o poema com “um déspota depois do outro”. A gente sempre tende a atribuir versos assim
a um momento pessimista do poeta. E se for apenas uma constatação realista?
•o•
E por falar em déspota, ele aparece mais uma vez no poema sem título “[Os déspotas abominam]”. Conforme o poeta, os tiranos, além de serem
avessos ao “odor das multidões”, “engordam/ as hienas do hábito” e “irrigam/ as pastagens do óbito”.
O próximo poema, “Estátuas”, traça novo retrato de figuras como os déspotas. Já de saída, o monumento é lançado ao chão: “As estátuas/
são coisas fátuas” — ou seja, coisas vaidosas e presunçosas. E a quem se homenageia nessas pedras públicas? O poema responde: “deuses e generais/
sob a vaia dos pardais”. Mais contundente ainda, o poeta conclui que “Os verdadeiros heróis/ estão perto de nós”.
Agora, o poema “Dor Essencial”. Com a mesma visão aguda voltada para as questões sociais, Carvalho sustenta: “O que dói não é a mentira/
vertida em nosso cálice/ e que nos dão de beber como se fosse vinho”. “O que dói é sentir./ Sentir que nos esvaímos em água (...)/
O que dói é ver os olhos da pátria/ morrendo à míngua”.
Não é estranho, portanto, ler em “Doação”, último poema da minisseleta, a dedicatória do poeta: “Meu verso inteiro/ é para os que
foram expulsos do sonho”. Ou ainda: “Meu verso inteiro/ é para os que deixaram/ a liberdade intacta”.
•o•
Nascido em Russas-CE, Francisco Carvalho (1927-2013) viveu longo tempo em Fortaleza. Publicou mais de três dezenas de títulos,
todos de poesia. Foi vencedor do Prêmio Nestlé de Literatura, em 1982, com a coletânea Quadrante Solar e do Prêmio da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, com Girassóis de Barro (1997).
O autor já foi destacado nas seguintes edições do poesia.net:
n. 460 (2021);
n. 400 (2018);
n. 287 (2013);
n. 212 (2007); e
n. 102 (2005).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Visite o poesia.net no Facebook e no Instagram.
•o•
Compartilhe o poesia.net
no Facebook, no Twitter
e no WhatsApp
Compartilhe o boletim nas redes Facebook, Twitter e WhatsApp. Basta clicar nos botões logo acima da foto do poeta.