Júlio Polidoro
Caros amigos,
Mais uma vez, tenho a oportunidade de trazer a este boletim um poeta da frutuosa
geração de artistas ligados ao grupo que publicou nos anos 80, em Juiz de Fora,
MG, o folheto Abre Alas e a revista D'Lira. De fato, três outros
integrantes desse grupo já passaram por estas páginas eletrônicas: Iacyr
Anderson Freitas (poesia.net
n. 29), Edimilson de Almeida Pereira (n.
114) e Fernando Fábio Fiorese Furtado (n.
121). Agora é a vez de Júlio Polidoro.
Nascido em 1959, Polidoro estudou filosofia na Universidade Federal de Juiz de
Fora, instituição onde hoje trabalha na área administrativa. Estreou
poeticamente em 1979 com o livro Treze Poemas Essenciais. Depois vieram
Pequenos Assaltos
(1990) e Orla dos Signos (2001). Em 2004, ele reuniu sua poesia no
volume Outro Sol, que inclui, além dos títulos citados, várias séries de
novos poemas. Dessa reunião foram extraídos todos os textos aqui transcritos.
Praticante de versos enxutos, Júlio Polidoro é um "poeta magro", para usar a
classificação de Manuel Bandeira. Seu lirismo tende sempre a agarrar o
essencial, sem arrebatamentos, sem erguer a voz. O poeta, discreto, não parece
apreciar os grandes arroubos. "O poema nasce nu", afirma. Com essa economia de
recursos, ele cria a tensão do que está apenas sugerido e que parece não caber
em objetos poéticos tão sucintos. Isso requer um leitor mais atento, capaz de
sintonizar "a percussão do silêncio/ nos dígitos da alma".
Os dois poemas com títulos entre colchetes são na verdade peças sem título
pertencentes à série "Outro Sol". Já os textos "O Poema Nasce Nu" e "A Ponte"
vêm da seqüência "Memória do Caos", datada de 2003.
O poeta Júlio Polidoro sabe bem que sua arte é uma travessia. "Cruzo uma ponte
que nunca termina / colhendo as ossadas do mito". Na bagagem, não há glórias nem
o diadema dos heróis. Apenas a travessia e vozes distantes que não se sabe bem o
que dizem.
Um abraço,
Carlos Machado
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poesia.net em alta
Uma boa micronotícia: o site do poesia.net (Ave, Palavra/Alguma Poesia:
www.algumapoesia.com.br) vem
experimentando substancial aumento de audiência. Em setembro de 2004, ele
registrava a média de 6 visitantes diários, que liam 65 páginas. Agora, em
agosto, a média (sempre crescente — exceto em dezembro e janeiro, período de
férias e festas), é de 168 visitas, com a leitura de 662 páginas. Há chance para
a poesia? |
O poema nasce nu
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Júlio Polidoro |
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[OUTRO SOL 1]
A Adriana Rebelo
dizei
a casa do homem
a pátria
da cabeça sobre a pedra
ditai sua homilia,
gárgula,
o jorro do princípio
tornamo-nos aquele
que cresceu sem conhecer-se
tornamo-nos fieira de urzes
no quintal sem tranca,
do mundo a porteira
que o gume afia
revelai seus esplendores
saciados
com mel, lagartos
cegai-nos, para que vejamos
ecce homo
a cabeça sobre a pedra
calai-nos ainda que falemos
buscar bater pedir
dizei a casa do homem
ditai, por amor, sua homilia
[OUTRO SOL 2]
A Guido Bilharinho
ai
a percussão do silêncio
nos dígitos da alma
o que é duração?
amigos me abraçam
e não guardo sequer
o hálito das sombras
quisera abocanhar,
sem fome, o ato,
na execução
e em ruminá-lo
haver
de sê-lo
sem perda
dor
digressão
mas os amigos se foram
o ato paira
ecoa sem sentido
o hálito das sombras
O POEMA NASCE NU
A Jean-Paul Mestas
o poema nasce nu
púrpura ou andrajo
expande ramos
para fora
e cresce rio
que a vida colore
roto, então sublime,
o traje
não se expressa
a água
borra o texto
aderna a frase
veste a descompor
o verso derradeiro
que morre como nasce
A PONTE
A noite se alonga no trajeto.
Mais que a noite o percurso.
Cruzo uma ponte que nunca termina
colhendo ossadas do mito.
Farrapos de glória no alforje
e heróis distantes daqui.
O dia remoto
acena de dentro da lua.
Dele ecoam vozes
que não podemos ouvir.
Mas atravessam conosco
a ponte a um passo do fim.
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