Número 129 - Ano 3

São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005

«É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma.» (Paul Valéry)
 


Júlio Polidoro


Caros amigos,


Mais uma vez, tenho a oportunidade de trazer a este boletim um poeta da frutuosa geração de artistas ligados ao grupo que publicou nos anos 80, em Juiz de Fora, MG, o folheto Abre Alas e a revista D'Lira. De fato, três outros integrantes desse grupo já passaram por estas páginas eletrônicas: Iacyr Anderson Freitas (poesia.net n. 29), Edimilson de Almeida Pereira (n. 114) e Fernando Fábio Fiorese Furtado (n. 121). Agora é a vez de Júlio Polidoro.

Nascido em 1959, Polidoro estudou filosofia na Universidade Federal de Juiz de Fora, instituição onde hoje trabalha na área administrativa. Estreou poeticamente em 1979 com o livro Treze Poemas Essenciais. Depois vieram Pequenos Assaltos (1990)  e Orla dos Signos (2001). Em 2004, ele reuniu sua poesia no volume Outro Sol, que inclui, além dos títulos citados, várias séries de novos poemas. Dessa reunião foram extraídos todos os textos aqui transcritos.

Praticante de versos enxutos, Júlio Polidoro é um "poeta magro", para usar a classificação de Manuel Bandeira. Seu lirismo tende sempre a agarrar o essencial, sem arrebatamentos, sem erguer a voz. O poeta, discreto, não parece apreciar os grandes arroubos. "O poema nasce nu", afirma. Com essa economia de recursos, ele cria a tensão do que está apenas sugerido e que parece não caber em objetos poéticos tão sucintos. Isso requer um leitor mais atento, capaz de sintonizar "a percussão do silêncio/ nos dígitos da alma".

Os dois poemas com títulos entre colchetes são na verdade peças sem título pertencentes à série "Outro Sol". Já os textos "O Poema Nasce Nu" e "A Ponte" vêm da seqüência "Memória do Caos", datada de 2003.

O poeta Júlio Polidoro sabe bem que sua arte é uma travessia. "Cruzo uma ponte que nunca termina / colhendo as ossadas do mito". Na bagagem, não há glórias nem o diadema dos heróis. Apenas a travessia e vozes distantes que não se sabe bem o que dizem.

Um abraço,

Carlos Machado

 

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poesia.net em alta

Uma boa micronotícia: o site do poesia.net (Ave, Palavra/Alguma Poesia: www.algumapoesia.com.br) vem experimentando substancial aumento de audiência. Em setembro de 2004, ele registrava a média de 6 visitantes diários, que liam 65 páginas. Agora, em agosto, a média (sempre crescente — exceto em dezembro e janeiro, período de férias e festas), é de 168 visitas, com a leitura de 662 páginas. Há chance para a poesia?

O poema nasce nu

Júlio Polidoro

 


[OUTRO SOL 1]

                A Adriana Rebelo


dizei
a casa do homem

a pátria
da cabeça sobre a pedra

ditai sua homilia,
gárgula,
o jorro do princípio

tornamo-nos aquele
que cresceu sem conhecer-se

tornamo-nos fieira de urzes
no quintal sem tranca,
do mundo a porteira
que o gume afia

revelai seus esplendores
saciados
com mel, lagartos

cegai-nos, para que vejamos
ecce homo
a cabeça sobre a pedra

calai-nos ainda que falemos
buscar bater pedir

dizei a casa do homem

ditai, por amor, sua homilia



[OUTRO SOL 2]


                A Guido Bilharinho


ai
a percussão do silêncio
nos dígitos da alma

o que é duração?

amigos me abraçam
e não guardo sequer
o hálito das sombras

quisera abocanhar,
sem fome, o ato,
na execução

e em ruminá-lo
haver
de sê-lo
sem perda
dor
digressão

mas os amigos se foram
o ato paira

ecoa sem sentido
o hálito das sombras



O POEMA NASCE NU

                A Jean-Paul Mestas


o poema nasce nu

púrpura ou andrajo
expande ramos
para fora
e cresce rio
que a vida colore

roto, então sublime,
o traje
não se expressa

a água
borra o texto
aderna a frase

veste a descompor
o verso derradeiro
que morre como nasce



A PONTE

A noite se alonga no trajeto.
Mais que a noite o percurso.

Cruzo uma ponte que nunca termina
colhendo ossadas do mito.

Farrapos de glória no alforje
e heróis distantes daqui.

O dia remoto
acena de dentro da lua.
Dele ecoam vozes
que não podemos ouvir.
Mas atravessam conosco
a ponte a um passo do fim.

 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2005

Júlio Polidoro
In Outro Sol
Nankin/Funalfa, São Paulo/Juiz de Fora, 2004