Ascânio Lopes
Caros,
Contemporâneo de Carlos Drummond de Andrade e de Pedro Nava na Belo Horizonte
dos anos 20, o poeta Ascânio Lopes era uma promessa do modernismo mineiro.
Infelizmente, Lopes não teve tempo de mostrar se essa promessa de fato daria
frutos. Vítima de tuberculose, ele viveu menos de 23 anos.
Ascânio Lopes Quatorzevoltas nasceu em Ubá (MG), em 1906, mas foi criado em
Cataguases, onde faleceu, em 1929. O poeta transferiu-se para Belo Horizonte em
1925, onde cursou a escola de direito. Em 1928, já doente, retornou a
Cataguases.
Uma atividade marcante na curta vida de Ascânio Lopes foi sua participação no
grupo que fundou a revista Verde, publicada em Cataguases entre 1927 e
1929. Publicação modernista, a Verde reunia jovens como o romancista
Rosário Fusco e o poeta Guilhermino César. Cataguases era um pólo de criação
artística. Na mesma época, o cineasta Humberto Mauro, pioneiro do cinema
brasileiro, havia montado na cidade sua produtora, a Phebo Sul America Film.
Modernista de primeira hora, Ascânio Lopes se correspondia com Mário de Andrade
e escrevia poesia, prosa, ensaio. Seus versos, como não podia deixar de ser, têm
muitos traços do modernismo anos 20. O poema "Serão do Menino Pobre" até lembra
o lirismo drummondiano em "Infância" (de Alguma Poesia, 1930). Ascânio:
"Na sala pobre da casa da roça / papai lia os jornais atrasados. / Mamãe cerzia
minhas meias rasgadas." Drummond: "Meu pai montava a cavalo, ia para o
campo. / Minha mãe ficava sentada cosendo. / Meu irmão pequeno dormia."
Em textos como "Cena de Uma Rua Afastada" e "Minha Namorada", Ascânio Lopes
mostra a irreverência da fase heróica do modernismo, com uma irresistível
inflexão para o poema-piada. No primeiro, trata de um tema que jamais poderia
ser motivo de poema nos padrões tradicionais. No outro, numa ironia bem ao
estilo do "Desafinado" bossa-novista, queixa-se de uma namorada normalista que
colocava bem os pronomes e detestava versos modernos.
Em "O Chefe", o poeta se volta para a crítica aos desmandos dos potentados
interioranos. Por fim, vem a nota mais doída. É a crônica amarga de um jovem que
se vê definhar num hospital sem esperança de cura. "Sanatório", poema
autobiográfico, é a página mais citada de Ascânio Lopes.
Com a morte do poeta, a revista Verde se dissolveu. Os remanescentes
publicaram ainda um último número, exatamente para homenagear o amigo ausente.
Sobre Ascânio escreveram nomes como Mário de Andrade, Antonio de Alcântara
Machado e Carlos Drummond de Andrade.
Em vida, Ascânio Lopes publicou apenas um livro, chamado Poemas Cronológicos
(1928). Ao todo, sua obra resume-se a 48 poemas, um fragmento de novela, três
ensaios e quatro resenhas. Todo esse material, mais outros documentos sobre o
autor, está reunido no volume Ascânio Lopes – Todos
os Possíveis Caminhos, do romancista cataguasense Luiz Ruffato.
Os poemas ao lado, assim como a foto e outras informações, foram extraídos desse
livro de Ruffato, que também é autor de Os Ases de Cataguases, um estudo
sobre o movimento da revista Verde.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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SARAU POÉTICO
A poeta
Vera Lúcia de Oliveira promove neste sábado um sarau poético em São Paulo.
No encontro, Vera lerá poemas de seu premiado livro A Chuva nos Ruídos
(Escrituras, 2004).
Data: 27 de agosto, sábado
Local: Livraria Haikai
Rua Armando Penteado, 44
Praça Vilaboim
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São Paulo
Hora: 19:30
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JANDIRA 2 NA PRAÇA
Se você estiver em São Paulo na próxima terça-feira, 30/8, confira o
lançamento do número 2 da revista literária Jandira. Dirigida por Ricardo
Rizzo e produzida com o patrocínio da Funalfa, de Juiz de Fora, MG, a revista
traz, entre outros, textos de Davi Arrigucci Jr., Sérgio Alcides, Maria Rita
Kehl, Luiz Ruffato e Ruy Proença.
Data: 30 de agosto, terça-feira
Local: Esquina Grill
Rua Martim Francisco, 382
Santa Cecília, São Paulo
Hora: 20:30
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Um poeta verde
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Ascânio Lopes |
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Waldomiro Sant'Anna, pintor paulista, As Pipas
SERÃO DO MENINO POBRE
Na sala pobre da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
— desde criança fascinou-me o maravilhoso.
Às vezes, Mamãe parava de costurar
— a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.
Quando Mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não lia os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente
[ maior.
Waldomiro Sant'Anna, A Rua dos Ipês Amarelos
CENA DE UMA RUA AFASTADA
Para Martins de Almeida
A solteirona fechou as janelas com estrépito.
Uma mocinha da escola normal passou firme,
[ sem olhar.
Um senhor gordo disse que era uma pouca
[ vergonha
e que nossa polícia não vigiava os costumes.
Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,
às pedradas dos garotos,
a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê
[ (meio sangue) do sr. Fagundes
continuaram impudicos no meio da rua.
Waldomiro Sant'Anna, A Leitora
MINHA NAMORADA
Seu nome era besta e ela também
mas quase não falava e só sabia olhar.
Gostei dela
fiz versos puxados
gastei tempo nas rimas raras
e na colocação de pronomes
porque ela era normalista
e gostava de gramática e não perdoava
[ galicismos.
Mas um dia ela descobriu meus versos modernos
e percebeu que fingia
e gostava de errar nos pronomes
e que meus sonetos eram só pra ela.
Então me deu o fora e arranjou um poeta sincero
que a comparava a Marília
e que sabia de cor a "Ceia dos Cardeais"
e que sapecava todos os ritmos novos
e as poesias sem geometria e compasso.
E ficavam cinicamente amando no portão
quando não iam ao cinema delirar com as fitas
[ dramáticas italianas 12 atos.
Ela me deu o fora.
Também nunca mais fiz sonetos.
Waldomiro Sant'Anna, A Hora do Espetáculo
O CHEFE
O valentão brigou com o chefe político
e então todo mundo se lembrou que ele era
[ criminoso
e veio ordem da Capital para prendê-lo.
Os soldados se prepararam foram 30 jagunços
[ para acompanhá-los.
O escrivão lavrou de véspera o auto de
[ resistência à prisão.
Mas o bandido não resistiu abobado diante dos
[ soldados da Capital.
e entregou-se docilmente.
Mas o chefe disse que era preciso matá-lo
pois o auto já estava lavrado e assinado.
Era impossível voltar atrás.
Waldomiro Sant'Anna, A Bandinha Furiosa
SANATÓRIO
Logo, quando os corredores ficarem vazios,
e todo o Sanatório adormecer,
a febre dos tísicos entrará no meu quarto
trazida de manso pela mão da noite.
Então minha testa começará a arder,
todo meu corpo magro sofrerá.
E eu rolarei ansiado no leito
com o peito opresso e de garganta seca.
Lá fora haverá um vento mau
e as árvores sacudidas darão medo.
Ah! os meus olhos brilharão procurando
a Morte que quer entrar no meu quarto.
Os meus olhos brilharão como os da fera
que defende a entrada do seu fojo.
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