Número 229 - Ano 5

São Paulo, quarta-feira, 3 de outubro de 2007 

«Toda teoria é cinzenta, caro amigo. Só a verdadeira árvore da vida é verde.» (Goethe) *
 


Edwin Morgan


Caros,

Nascido em Glasgow, na Escócia, em 1920, Edwin Morgan é reconhecido como um dos poetas mais importantes de seu país. Professor da Universidade de Glasgow, lá trabalhou desde o pós-guerra até a aposentadoria, em 1980.

A poesia de Morgan cobre uma extensa gama de formas e estilos, e vai do soneto à poesia concreta. Do mesmo modo, suas influências são amplas: incluem Maiakóvski, William Blake, Eugenio Montale e os poetas beatniks, especialmente Allen Ginsberg. Outras influências certamente estão diluídas nos contatos poéticos do autor. Tradutor de longa data, ele verteu para o inglês textos de idiomas como russo, húngaro, francês, alemão, italiano, latim, espanhol e português.

Os poemas transcritos ao lado foram extraídos da coletânea Na Estação Central (Ed. UnB, 2006), traduzida e apresentada pela poeta Virna Teixeira.

Morgan escreveu muitos poemas sobre a cultura de sua cidade natal — a maior do país, com cerca de 600 mil habitantes e sobre os cenários da Escócia. Um exemplo mostrado aqui é "Na Estação Central".
Outro tema caro a Morgan são as viagens espaciais e a ficção científica. Dois de seus livros chamam-se From Glasgow to Saturn (1973) e Star Gate: Science Fiction Poems (1979).

Homossexual, Edwin Morgan não demonstra essa orientação em seus poemas, mesmo naqueles em que há um clima aberto de amor ou paixão, como em "Morangos". Do ponto de vista social, isso é compreensível. Morgan só se revelou homossexual em 1990, dez anos depois de a homossexualidade ter sido descriminalizada na Escócia.

Na introdução da antologia Na Estação Central, Virna Teixeira observa que, nos textos amorosos, o poeta omite os pronomes possessivos que possam indicar o gênero das personagens. Obviamente, a língua inglesa facilita isso. Na própria tradução de Virna para "Morangos", a pessoa a quem o texto se dirige aparece como "abandonado"; e quem fala diz "deixe-me amá-lo". Perde-se, portanto, a camuflagem dos adjetivos ingleses, comuns aos dois gêneros, e a neutralidade do "you". 

Para Virna Teixeira, no entanto, "é simplista argumentar que Morgan utilizou este recurso apenas para disfarçar a sua orientação homossexual". Em sua análise, essa discrição deve ser entendida no contexto histórico, mas também como um produto da personalidade reservada do autor.

Respeitado por seus compatriotas, Edwin Morgan tornou-se poeta laureado de Glasgow e também ganhou o título de poeta nacional da Escócia: The Scots Makar.
Makar, equivalente ao inglês maker, é o poeta aquele que faz. É um título perfeito. Corresponde à origem grega da palavra, poietés. E também lembra o livro O Fazedor (El Hacedor), de Jorge Luis Borges.


Para saber mais sobre o poeta, visite o site EdwinMorgan.com.
 

Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado




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POESIA FALADA

Clique no alto-falante para ouvir o poema
Strawberries ("Morangos"), de Edwin Morgan, lido pelo poeta e editor escocês Hamish Whyte,


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POESIA CANTADA

Veja, no YouTube, um videoclipe com a canção The Weight of Years (O peso dos anos). A letra é de Edwin Morgan. Na verdade, trata-se de uma tradução feita por Morgan para um fragmento da poeta grega Safo (cerca de 700 a.C.). O texto foi musicado e interpretado pela banda escocesa Idlewild.


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POESIA ESCOCESA

Além do volume Na Estação Central, com poemas de Edwin Morgan, a poeta Virna Teixeira também traduziu a coletânea Ovelha Negra (Black Sheep) Uma Antologia de Poesia da Escócia do Século XX, recém-lançada por Lumme Editor. O livro está disponível no site da Livraria Cultura.
 

De Glasgow a Saturno

Edwin Morgan

 

Tradução: Virna Teixeira


MORANGOS

Nunca houve morangos
como os que tivemos
naquela tarde tórrida
sentados nos degraus
da porta-janela aberta
de frente um para o outro
seus joelhos encostados nos meus
os pratos azuis em nossos colos
os morangos brilhando
na luz quente do sol
nós os mergulhamos em açúcar
olhando um para o outro
sem apressar a festa
para chegar ao fim
os pratos vazios
deitados sobre a pedra juntos
com os dois garfos cruzados
e me aproximei de você
dócil naquele ar
nos meus braços
abandonado como uma criança
da sua boca ávida
o gosto de morangos
na minha memória
inclina-se de volta
deixe-me amá-lo

deixe o sol bater
sobre o nosso esquecimento
uma hora de tudo
o calor intenso
e o relâmpago de verão
nas colinas de Kilpatrick

deixe a tempestade lavar os pratos



STRAWBERRIES

There were never strawberries
like the ones we had
that sultry afternoon
sitting on the step
of the open french window
facing each other
your knees held in mine
the blue plates in our laps
the strawberries glistening
in the hot sunlight
we dipped them in sugar
looking at each other
not hurrying the feast
for one to come
the empty plates
laid on the stone together
with the two forks crossed
and I bent towards you
sweet in that air
in my arms
abandoned like a child
from your eager mouth
the taste of strawberries
in my memory
lean back again
let me love you

let the sun beat
on our forgetfulness
one hour of all
the heat intense
and summer lightning
on the Kilpatrick hills

let the storm wash the plates




Cabeça de Edwin Morgan num parque em Edimburgo


NA ESTAÇÃO CENTRAL


Na Estação Central, no meio do dia
uma mulher está mijando na calçada.
Com as costas para a parede e as pernas afastadas
ela inclina-se, o cabelo caindo sobre o rosto,
a saia sombria e o casaco nem sequer levantado.
Sua urina bate na pedra com força
e evapora em direção à sarjeta.
Ela não é velha, nem jovem,
não é suja, nem limpa,
nem em trapos, mas quase.
Ela está no centro da cidade, o fantasma no banquete.
Executivos saindo do trem de Londres
assustam-se incrédulos mas pulam o rio
e mansamente juntam-se à fila do táxi.
A gente de Glasgow passa apressada,
mal olha, ou se atreve a olhar,
ou olha severamente, dura como aço, como
o olhar do poeta, não duro como aço
mas severo, rápido, diminuindo o passo
um pouco, registrador maldito, seus sentimentos
confusos como as folhas de novembro.
Ela é uma estátua em um redemoinho,
surrada por nada que ele possa dizer em palavras,
sangrando nas ondas de conversa
e transita fluidos terríveis de necessidade.
Somente dois homens francamente param,
com um sorriso largo, jogam-lhe um insulto
enquanto cruzam a rua para apostar no jogo.
Sem eles a indignidade,
a dignidade, seria incompleta.



AT CENTRAL STATION

At Central Station, in the middle of the day
a woman is pissing on the pavement.
With her back to the wall and her legs spread
she bends forward, her hair over the face,
the drab shirt and coat not even hitched up.
Her water hits the stone with force
and steams across into the gutter.
She is not old, not young either,
not dirty, yet hardly clean,
not in rags, but going that way.
She stands at the city centre, skeleton at the feast.
Executives off the London train
start incredulously but jump the river
and meekly join the taxi queue.
The Glasgow crowd hurries past,
hardly looks, or hardly dares to look,
or looks hard, bold as brass, as
the poet looks, not bold as brass
but hard, swift, slowing his walk
a little, accursed recorder, his feelings
as confused as the November leaves.
She is a statue in a whirlpool,
beaten about by nothing he can give words to,
bleeding into the waves of talk
and traffic awful ichors of need.
Only two men frankly stop,
grin broadly, throw a gibe at her
as they cross the street to the betting-shop.
Without them the indignity,
The dignity, would be incomplete.


 

GAROTA DE OBAN

Uma garota na janela comendo melão
comendo melão e pintando um quadro
pintando um quadro e cantarolando Hey Jude
cantarolando Hey Jude enquanto a luz esvanece

No outono estará casada.



OBAN GIRL

A girl in the window eating a melon
eating a melon and painting a picture
painting a picture and humming Hey Jude
humming Hey Jude as the light was fading

In the autumn she'll be married.


 

poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007

Edwin Morgan
•  In Na Estação Central
   
Seleção, tradução e introdução de
    Virna Teixeira
    Editora UnB, Brasília, 2006
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* Goethe, fala de Mefistófeles no
Fausto