Alejandra Pizarnik
Caros,
Eu não conhecia absolutamente nada a respeito da poeta e ensaísta argentina
Alejandra Pizarnik. Nunca tinha ouvido falar dela. O contista baiano Valdomiro
Santana, meu amigo e grande estimulador deste boletim, é que me chamou a atenção
para o nome dessa escritora. Fui pesquisar e descobri que a poeta
Virna Teixeira já havia traduzido alguns poemas dela. Continuei a procurar e
fiquei impressionado com a poesia e a história pessoal de Alejandra. Tanto
que acabei por traduzir, eu mesmo, dezenas de textos dela. Alguns deles estão ao
lado, junto com dois poemas vertidos por Virna Teixeira.
Nascida em Buenos Aires em 1936, Alejandra Pizarnik era filha de imigrantes
judeus russos. Publicou seu primeiro livro de poesia, La Tierra Más Ajena,
em 1955, um ano depois de entrar na Universidade de Buenos Aires, na área de
filosofia e letras, curso que não concluiu. Depois, também estudou pintura. Suas
obras seguintes foram dois volumes de poemas, La Última Inocencia (1956)
e Las Aventuras Perdidas (1958). Este último marca o amadurecimento
poético da autora. Além disso, contém os traços de estilo e temas que vão
definir a poesia de Alejandra Pizarnik até o fim.
Entre 1960 e 1964, ela viveu em Paris. Escreveu para revistas, fez cursos na
Sorbonne e participou da vida literária. Nessa época, conheceu Octavio Paz e
Julio Cortázar, dos quais se tornou amiga. O autor de O Jogo da Amarelinha
escreveu um belo poema,
Aquí Alejandra, em homenagem a ela.
Após retornar a Buenos Aires, Alejandra publicou mais quatro
livros: Los Trabajos y Las Noches (1965); Extracción de la Piedra de
Locura (1968); El Infierno Musical (1971); e La Condesa Sangrienta
(1971), este último em prosa. Devido a suas contínuas depressões e tentativas de
suicídio (em 1970 e 1972), ficou meio reclusa nesse período.
Em 1972, permaneceu cinco meses internada numa clínica psiquiátrica. Em 25
setembro, ela saiu da clínica para passar o fim de semana em casa e tomou uma
superdose do sedativo seconal sódico. Tinha 36 anos.
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Conforme a crítica, a poesia de Alejandra Pizarnik tem timbres
surrealistas. Mas não se trata de um surrealismo programático, ou uma poética: é
a autora mesma, em sua forma de ser e de se expressar. O que se destaca na obra
de Alejandra é um lirismo noturno e profundamente angustiado — traço que se
refina literariamente em seu terceiro livro, Las Aventuras Perdidas, de
1958, mas que já está presente em sua obra desde o início.
Não é preciso ser especialista para observar a alta incidência de palavras como
noite, morte, cinza, jaulas e gaiolas nos poemas de Alejandra Pizarnik. Pode-se
perceber isso apenas percorrendo a pequena antologia ao lado.
O poema "O Despertar", de 1958, é um dos exemplos mais asfixiantes dos mergulhos
feitos pela poeta Alejandra Pizarnik no poço sem fundo da miséria humana. Ele
expressa a perplexidade de alguém que percebe a transformação da gaiola em
pássaro. O símbolo da opressão converte-se de repente num ícone da liberdade.
Mas isso não traz prazer: "meu coração está louco / porque uiva para a morte / e
sorri detrás do vento / para meus delírios".
Não pode haver nenhum sentimento de alívio, porque o momento é assombrado pelo
medo: "É o desastre / É a hora do vazio não vazio / É o instante de pôr ferrolho
nos lábios". E vem o soturno refrão: "Que farei com o medo / Que farei com o
medo". Adiante, surge a terrível e pungente indagação: "Por que não extraio
minhas veias / e faço com elas uma escada / para fugir ao outro lado da noite?"
Alejandra Pizarnik se agarrou à poesia como um náufrago se abraça com todas as
forças a uma tábua do navio soçobrado. Para ela, somente a poesia fazia sentido
e lhe conferia alguma razão. Vejam o que ela escreve no poema "El Deseo de la
Palavra", que está em seu último livro, El Infierno Musical, de 1971:
"Oxalá eu pudesse viver somente em êxtase, fazendo o corpo do poema com meu
corpo, resgatando cada frase com meus dias e com minhas semanas, infundindo meu
sopro no poema, à medida que cada letra de cada palavra fosse sacrificada nas
cerimônias do viver".
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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VOZ E IMAGENS DA POETA
Clique
aqui,
ou na figura ao lado para ver um vídeo com imagens da poeta Alejandra Pizarnik.
Ouça a voz dela lendo um poema de Arturo Carrera.
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Noites, pássaros e gaiolas
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Alejandra Pizarnik |
Tradução: Virna Teixeira e Carlos Machado |
Sandra Sedmak Engel, pintora americana, Por favor, por favor
A JAULA
Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.
Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.
Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
LA JAULA
Afuera hay sol.
No es más que un sol
pero los hombres lo miran
y después cantan.
Yo no sé del sol.
Yo sé la melodía del ángel
y el sermón caliente
del último viento.
Sé gritar hasta el alba
cuando la muerte se posa desnuda
en mi sombra.
Yo lloro debajo de mi nombre.
Yo agito pañuelos en la noche y barcos sedientos de realidad
bailan conmigo.
Yo oculto clavos
para escarnecer a mis sueños enfermos.
Afuera hay sol.
Yo me visto de cenizas.
Sandra Sedmak Engel, Seriamente
OS PASSOS PERDIDOS
Antes foi uma luz
na minha linguagem nascida
a poucos passos do amor.
Noite aberta. Noite presença.
LOS PASOS PERDIDOS
Antes fue una luz
en mi lenguaje nacido
a pocos pasos del amor.
Noche abierta. Noche presencia.
De Los Trabajos y Las Noches (1965)
"A Jaula" e "Os Passos Perdidos"
Tradução: Virna Teixeira
Sandra Sedmak Engel, Mulher de vermelho
O DESPERTAR
Senhor
A gaiola se tornou pássaro
e voou
e meu coração está louco
porque uiva para a morte
e sorri detrás do vento
para meus delírios
Que farei com o medo
Que farei com o medo
Já não dança a luz em meu sorriso
nem as estações queimam pombas em minhas idéias
Minhas mãos ficaram nuas
e foram aonde a morte
ensina os mortos a viver
Senhor
O ar me castiga o ser
Detrás do ar existem monstros
que bebem meu sangue
É o desastre
É a hora do vazio não vazio
É o instante de pôr ferrolho nos lábios
ouvir os condenados a gritar
contemplar cada um de meus nomes
enforcados no nada
Senhor
Tenho vinte anos
Também meus olhos têm vinte anos
e contudo não dizem nada
Senhor
Consumei minha vida num instante
A última inocência explodiu
Agora é o nunca jamais ou simplesmente foi
Por que não me suicido diante do espelho
e desapareço para reaparecer no mar
onde um grande barco me esperaria
com as luzes acesas?
Por que não extraio minhas veias
e faço com elas uma escada
para fugir ao outro lado da noite?
O princípio deu à luz o fim
Tudo continuará igual
Os sorrisos gastos
O interesse interessado
As gesticulações que arremedam o amor
Tudo continuará igual
Mas meus braços insistem em abraçar o mundo
Porque ainda não lhes ensinaram
que já é demasiado tarde
Senhor
Expulsa os féretros de meu sangue
Recordo minha infância
quando eu era uma anciã
As flores morriam em minhas mãos
porque a dança selvagem da alegria lhes destruía o coração
Recordo as negras manhãs de sol
quando era criança
quer dizer ontem
quer dizer faz séculos
Senhor
A gaiola se tornou pássaro
e devorou minhas esperanças
Senhor
A gaiola se tornou pássaro
Que farei com o medo
EL DESPERTAR
Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
y se ha volado
y mi corazón está loco
porque aúlla a la muerte
y sonríe detrás del viento
a mis delirios
Qué haré con el miedo
Qué haré con el miedo
Ya no baila la luz en mi sonrisa
ni las estaciones que man palomas en mis ideas
Mis manos se han desnudado
y se han ido donde la muerte
enseña a vivir a los muertos
Señor
El aire me castiga el ser
Detrás del aire hay monstruos
que beben de mi sangre
Es el desastre
Es la hora del vacío no vacío
Es el instante de poner cerrojo a los labios
oír a los condenados gritar
contemplar a cada uno de mis nombres
ahorcados en la nada
Señor
Tengo veinte años
También mis ojos tienen veinte años
y sin embargo no dicen nada
Señor
He consumado mi vida en un instante
La última inocencia estalló
Ahora es o nunca jamás o simplemente fue
¿Cómo no me suicido frente a un espejo
y desaparezco para reaparecer en el mar
donde un gran barco me esperaría
con las luces encendidas?
¿Cómo no me extraigo las venas
y hago con ellas una escala
para huir al otro lado de la noche?
El principio ha dado a luz el final
Todo continuará igual
Las sonrisas gastadas
El interés interesado
Las gesticulaciones que remedan amor
Todo continuará igual
Pero mis brazos insisten en abrazar al mundo
porque aún no les enseñaron
que ya es demasiado tarde
Señor
Arroja los féretros de mi sangre
Recuerdo mi niñez
cuando yo era una anciana
Las flores morían en mis manos
porque la danza salvaje de la alegría les destruía el corazón
Recuerdo las negras mañanas del sol
cuando era niña
es decir ayer
es decir hace siglos
Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
y ha devorado mis esperanzas
Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
Qué haré con el miedo
De Las Aventuras Perdidas (1958)
Sandra Sedmak Engel, Nos olhos dela
A CARÊNCIA
Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.
LA CARENCIA
Yo no sé de pájaros,
no conozco la historia del fuego.
Pero creo que mi soledad debería tener alas.
De Las Aventuras Perdidas (1958)
ANTES
a Eva Durrell
bosque musical
os pássaros desenhavam em meus olhos
pequenas jaulas
ANTES
a Eva Durrell
bosque musical
los pájaros dibujaban en mis ojos
pequeñas jaulas
De Los Trabajos y Las Noches (1965)
SOMBRAS DOS DIAS QUE VIRÃO
a Ivonne A. Bordelois
Amanhã
me vestirão com cinzas na aurora,
me encherão a boca de flores
Aprenderei a dormir
na memória de um muro,
na respiração
de um animal que sonha.
SOMBRAS DE LOS DÍAS A VENIR
a Ivonne A. Bordelois
Mañana
me vestirán con cenizas al alba,
me llenarán la boca de flores,
Aprenderé a dormir
en la memoria de un muro,
en la respiración
de un animal que sueña.
De Los Trabajos y Las Noches (1965)
Sandra Sedmak Engel, Talvez Jane
ANÉIS DE CINZA
A Cristina Campo
São minhas vozes cantando
para que não cantem eles,
os amordaçados cinzentos na aurora,
e os vestidos de pássaro desolado na chuva.
Há, na espera,
um rumor de lilás se rompendo.
E há, quando chega o dia,
uma partição do sol em pequenos sóis negros.
E quando é noite, sempre,
uma tribo de palavras mutiladas
busca asilo em minha garganta,
para que não cantem eles,
os funestos, os donos do silêncio.
ANILLOS DE CENIZA
A Cristina Campo
Son mis voces cantando
para que no canten ellos,
los amordazados grismente en el alba,
los vestidos de pájaro desolado en la lluvia.
Hay, en la espera,
un rumor a lila rompiéndose.
Y hay, cuando viene el día,
una partición del sol en pequeños soles negros.
Y cuando es de noche, siempre,
una tribu de palabras mutiladas
busca asilo en mi garganta,
para que no canten ellos,
los funestos, los dueños del silencio.
De Los Trabajos y Las Noches (1965)
RESGATE
E é sempre o jardim de lilás do outro lado do rio. Se a alma pergunta se fica
longe, a resposta será: do outro lado do rio, não este, mas aquele.
(A Octavio Paz)
RESCATE
Y es siempre el jardín de lilas del otro lado del río. Si el alma pregunta si
queda lejos se le responderá: del otro lado del río, no éste sino aquél.
(A Octavio Paz)
De Los Trabajos y Las Noches (1965)
RELÓGIO
Dama pequeníssima
moradora no coração de um pássaro
sai de manhã a pronunciar uma sílaba
NÃO
RELOJ
Dama pequeñísima
moradora en el corazón de un pájaro
sale al alba a pronunciar una sílaba
NO
De Los Trabajos y las Noches (1965)
Sandra Sedmak Engel, Dia de casamento
EXCERTOS DE ÁRBOL DE DIANA
6
ela se desnuda no paraíso
de sua memória
ela desconhece o feroz destino
de suas visões
ela tem medo de não saber nomear
o que não existe
6
ella se desnuda en el paraíso
de su memoria
ella desconoce el feroz destino
de sus visiones
ella tiene miedo de no saber nombrar
lo que no existe.
13
explicar com palavras deste mundo
que partiu de mim um barco levando-me
13
explicar con palabras de este mundo
que partió de mí un barco llevándome
35
Vida, minha vida, deixa-te cair, deixa-te doer, minha vida, deixa-te enlaçar de
fogo, de silêncio ingênuo, de pedras verdes na casa da noite, deixa-te cair e
doer, minha vida.
35
Vida, mi vida, déjate caer,
déjate doler, mi vida, déjate enlazar de fuego, de silencio ingenuo, de piedras
verdes en la casa de la
noche, déjate caer y doler, mi vida.
De Árbol de Diana (1962)
Todos os poemas, exceto
"A Jaula" e "Os Passos Perdidos"
Tradução: Carlos Machado
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