Amigas e amigos,
Neste 12 de dezembro de 2017, o boletim poesia.net completa 15 anos em circulação. Como vocês já sabem, há um site especial para comemorar esta nossa década e meia de convivência coletiva com a arte poética.
Não vou me estender sobre o boletim, inclusive porque — com a
preciosa ajuda
de mais de uma centena de vocês (muito obrigado!) — o site
poesia.net 15 anos diz o essencial.
Um brinde ao poesia.net e 15 vivas à Poesia!
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Passemos à edição n. 391,
o primeiro passo no ano 16 do boletim.
Ainda no clima de comemorações, selecionei para este número uma poeta especial. Discreta, posicionada na porção mais oriental do Brasil, a autora Marize Castro (Natal-RN, 1962) vem construindo, tijolo
sobre tijolo, poema após poema, uma obra poética sólida e respeitada.
No ano passado, apresentei Marize Castro aqui na edição n. 365. Naquele momento, seu livro mais recente,
o sexto, era Habitar Teu Nome (2011). Logo em seguida, ainda em 2016, a poeta lançou novo título, A Mesma Fome, no qual baseio este boletim.
Abro a pequena amostra de poemas ao lado com “Chamo o Secreto Nome”, que é também o poema de abertura do livro. Nele a autora parece dar uma
resposta a quem desclassifica sua forma de expressão poética como algo que “não é poesia”. Serenamente, ela pondera: “assim seja para quem o diz”.
O importante mesmo, sugere o texto, está em outro lugar: “basta-me que se deixe tocar pelo sol / e depois me toque / com as mesmas vestes / o
mesmo desamparo / a mesma fome”. A mesma fome de vida. De poesia.
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Em seguida, vem o poema “Se Seu Sexo”, um texto em que se encadeiam erotismo e tristeza, carne e espírito, fé com os pés
plantados no chão. Sim, tudo isso
em pouco mais de dez versos curtos. A poesia de Marize Castro tem essa capacidade de condensar itens contraditórios em ambientes exíguos:
“em cada pedra, um gozo com sua / âncora / em cada alvorada, a fé mais / primitiva”. E fica no ar a pergunta: “eternidades existem?”
No próximo texto, “Safo à Tarde”, a poeta descreve um de seus hábitos de
leitura. Quem já se debruçou sobre seus livros, percebe que a poesia de Marize
Castro mantém terminações nervosas e sanguíneas que vão dar na melhor tradição
ao longo da história. A grega Safo (anos 600 a.C.) é uma de suas poetas
preferidas. Nisso Marize está muito bem acompanhada. Eis o que escreveu Platão
sobre Safo: “Nove são as musas, dizem alguns. Quanta negligência! Eis aqui a
décima: Safo de Lesbos”.
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O poema “Uma Menina” traça a trajetória de vida de uma mulher. É de se notar a substantividade do texto, que lista as perdas da menina como quem
organiza uma lista de compras ou um rol de roupas: “perdeu vidrinhos de geleia / meias / bilhetes / adesivos / relógios / asas / pai / mãe /
filhos / véus / dentes / pinças / pincéis (...)”.
Nessa longa série de perdas, observe-se como substantivos não tão comuns ou concretos (pai, mãe, filhos, a quase alegria, o desamparo
do último gozo, sonhos) são contrabandeados para o meio de coisas triviais, como livros, lápis e chapéus. Pessoalmente, a leitura deste
poema me remete ao “Caso do Vestido”.
Na história contada por Drummond, tanto a esposa virtuosa como “aquela mulher do demo” (a forasteira dona do vestido) sofrem as mesmas
desditas, impostas pela sociedade patriarcal. Aqui, no poema de Marize, pouco importa se a menina/mulher tem “o desejo de ser boa, má”:
as perdas e os danos lhe estão garantidos. Afinal, ela “morreu/nasceu assim: perdendo”. Cruel e verdadeiro.
Em “Cássia. Janis. Nina”, a poeta se aproxima da cultura pop. Cássia Eller, Janis Joplin e Nina Simone são exemplos de artistas que
alcançam o sucesso e o estrelato, mas não se livram da maldição de “morrer/nascer perdendo”.
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O poema seguinte, “De Inútil Beleza”, constitui uma antológica ode ao amor. A despeito da visão positiva lançada para o futuro,
a ideia não é a de que o amor se banha num mar de mel e facilidades. Tanto que o primeiro verso anuncia um terremoto
e a necessidade de espalhar veneno “para afugentar cobras”. Mas o amor — garante a poeta (profeta?) — “retornará da
infância / com o seu verdadeiro nome” e “estilhaços de inútil beleza / se soltarão da intimidade do solo.”
Nesse poema, chamo a atenção para um detalhe curioso, que está nos versos “O amor pertence ao amor, / isso ninguém lhes rouba”
(o grifo é meu). Por que lhes, perguntarão alguns, se o amor é um só? Ora, a poeta pode ter pensado que, para pertencer
um ao outro, deve haver pelo menos dois. Então...
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A ideia das perdas perpassa todo o livro A Mesma Fome, sempre casada com uma indomável vontade de viver, de ver,
experimentar. No último poema da seleção ao lado, “Sob o Sol Imóvel”, foi um anjo quem ensinou à pessoa que fala a
arte/desastre de “perder tudo”. Observe-se que o falante não se identifica como homem ou mulher e deseja ir ao encontro
de seu “feroz destino” para “provar-se em outro sexo”.
Situações assim aparecem em outros poemas e livros de Marize
Castro. Por isso a poeta e crítica Mariana Ianelli, no artigo “Uma voz sublime e rara” (posfácio de A Mesma Fome),
diz que a obra da autora natalense constitui uma “poesia de fé andrógina”. Perfeito. Ao fim e ao cabo, todos nós, homens
ou mulheres, haveremos de orar (ou apenas chorar) na sepultura do mesmo anjo que nos conduz a perder
tudo. Porque, óbvio, nem o anjo sobrevive.
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Formada em comunicação social pela UFRN, Marize trabalha com jornalismo cultural. É também editora de livros e produz — com
ressaltado esmero — as próprias obras, que saem pela
Editora Una, de Natal.
Marize Castro estreou em livro com o volume Marrons Crepons Marfins, em 1984. Depois, já publicou mais
seis títulos:
Rito (1993); Poço. Festim. Mosaico (1996); Esperado Ouro (2005); Lábios-Espelhos
(2009); Habitar Teu Nome (2011); e A Mesma Fome (2016).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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O editor agradece a leitores, poetas e colaboradores
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LANÇAMENTOS
Três títulos de poesia entram em circulação
nesta semana
em Salvador.
Tragédia Épica (Guerra de Canudos)
• Francisco Mangabeira
Antologia Poética e Inéditos
• Florisvaldo Mattos
Dois
livros de poesia serão lançados na Academia de Letras da Bahia. Um é Tragédia
Épica (Guerra de Canudos), de Francisco Mangabeira (1879-1904).
O outro, Antologia Poética e Inéditos, de
Florisvaldo Mattos.
Quando:
Quinta-feira, 14/12/2017, às 18h
Onde:
Academia de Letras da Bahia
Av. Joana Angélica, 198
Salvador, BA
Babilônia e Outros Poemas
• Ruy Espinheira filho
O poeta
Ruy Espinheira Filho lança em Salvador seu novo livro, Babilônia e Outros Poemas,
publicado pela editora paulistana Patuá.
Quando:
Sexta-feira, 15/12/2017, às 17h
Onde:
Antiga Ceasinha do Rio Vermelho
Restaurante do Edinho
Salvador, BA
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