Amigas e amigos,
O poesia.net atinge o curioso número 444 e põe em foco o tradutor, romancista e poeta André Caramuru Aubert, que já esteve aqui na
edição n. 339, em setembro de 2015. Desta vez, André Caramuru chega a esta
página trazido pela sua nova coletânea de poemas, Se / o que eu vi, publicada pela Editora Patuá em 2019.
Neste novo livro, o autor apresenta uma série de poemas que essencialmente seguem os mesmos princípios delineados desde seu primeiro
trabalho de poesia, outubro / dezembro (2015). Caramuru é, sem dúvida, um apreciador da poesia estadunidense contemporânea.
Mais do que isso: é também um dedicado divulgador dessa poesia, pois publica mensalmente traduções de poetas do norte no
Rascunho, jornal literário paranaense.
Uma das características centrais da escrita de André Caramuru é a ausência no poema de quaisquer itens de adorno e até mesmo de elementos
tradicionalmente associados à poesia, tais como rimas, assonâncias, paralelismos,
metáforas e também recursos que confiram ao poema alguma inclinação, digamos,
musical.
As palavras são escolhidas a dedo para dizer tudo de forma clara e inequívoca, como quem não quer correr o risco de dar margem a
qualquer dúvida.
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A pequena seleção ao lado mostra cinco poemas de Se / o que eu vi. O primeiro é “Se”. Decidi destacá-lo aqui porque seu texto, curto,
com apenas sete versos, parece resumir a atual situação de pandemia global e pandemônio nacional, na qual o governo federal joga a favor
do vírus e contra a vida dos brasileiros.
Nesse contexto, como diz o poema — que foi escrito antes e obviamente refere-se a outra coisa —, a cada manhã desenha-se a possibilidade de
“um verdadeiro apocalipse”.
O poema seguinte, “Sobre a vida”, descreve com requintes detalhistas um saco plástico de lixo rasgado na rua. Uma junção de coisas inúteis,
descartáveis, podres. Coisas de que a vida depende. E que se acabam, como a vida. Decerto, o poema não se resume a uma mera descrição.
O lixo é nosso. O lixo somos nós.
Vem a seguir o poema “Depois da Chuva”. Trata-se de um texto encharcado de mágoas e saudades. Contudo, fiel à postura “americana”,
não há no texto nenhuma palavra que indique esses sentimentos. O poema é todo construído com elementos externos: a chuva, o chão
molhado, as folhas, o frio. Somente a imaginação do sujeito lírico, que admite estar pensando em alguém com quem andaria de mãos
dadas, revela o contexto sentimental.
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Em “As Roupas”, o ambiente é ainda mais triste. Trata-se da hora terrível de “abrir os armários/ as gavetas, olhar as roupas, decidir/ o que fazer com elas”.
Um momento crucial após a perda de uma pessoa próxima e querida. Também neste caso, não há derramamentos sentimentais. O poema admite: “morremos um pouco”
e em silêncio “rimos, choramos”, mesmo sem lágrimas. Mas observe-se um detalhe: não há adjetivos lamurientos nem indicativos de tragédia. Tudo se diz
apenas com substantivos: armários, roupas, cheiros — e talvez lágrimas.
No último poema, o apreço aos detalhes começa pelo título, “21:38”, a indicação da hora digital, mostrada no celular da mulher sentada
no ponto de ônibus ou, quem sabe, num desses painéis de rua. O momento é de cansaço. Voltar para casa após o trabalho, quase dez horas da noite,
na imensidão da “maior cidade da América do Sul”. De fato, como diz o poema, “sabem ser bem tristes, às vezes, / as noites de são paulo”.
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André Caramuru Aubert (São Paulo, 1961) é bacharel e mestre em História pela USP. Publicou três livros de poemas: Se / o que
eu vi (2019);
As cores refletidas nas lentes de seus óculos escuros (2016); e outubro /
dezembro (2015), todos pela Editora Patuá. É também tradutor, além de autor
de cinco romances, entre os quais A Cultura dos Sambaquis (Descaminhos) e Poesia Chinesa (SESI-SP Editora).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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