Amigas e amigos,
Desde o final de 2019 eu tinha em mãos dois livros da poeta Mariana Ianelli candidatos a gerar um novo boletim. O primeiro é Manuscrito do Fogo,
antologia na qual a autora inclui poemas de oito títulos anteriores.
O outro título, Canções Meninas, é um volume especial. Trata-se de um livro-objeto de capa dura, quadrado, tamanho grande (22 cm x 22 cm) e ilustrado com desenhos
de Yolanda Ianelli Fernandez, filha de dois anos da poeta. Lançados em 2019, os dois livros foram publicados pela mesma editora, a porto-alegrense Ardotempo.
Inicialmente, pensei em montar um boletim com poemas de ambos os volumes.
Depois, decidi concentrar-me apenas em Canções Meninas, que reúne 24 poemas
inspirados na infância.
Embora Mariana Ianelli também já tenha produzido livros para crianças —Dia do Ateliê (2019) e Bichos da Noite (2018) —,
Canções Meninas não é exatamente um livro infantil. Trata-se de construções líricas resultantes da convivência inicial da poeta-mãe com o pequeno ser
desabrochado de seu próprio corpo.
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Todas as canções meninas são poemas sem título. Como já se tornou uma tradição aqui no poesia.net, em textos assim usamos como título o primeiro verso,
ou parte dele, abraçado por colchetes. Creio que esse recurso torna mais fácil a referência a cada poema.
O primeiro poema da seleta ao lado, [“Vem! Amanhã começa o mundo”], é também o texto que abre o livro. É como um convite à criança que vai ensaiar seus primeiros
passos entre nós. “Mas as palavras, meu amor, as palavras / Ainda nem se formaram: só amanhã / Começa o mundo. A primeira pele. / A primeira lua. O primeiro susto.”
No poema seguinte, “[Outra criança acorda na criança]”, a poeta descobre as transformações do pequeno ser observado. Essas mudanças, claro, estão no próprio
crescimento da criança, que hora a hora vai incorporando o mundo e, com isso, também o modifica, inventando uma língua e fabulando sobre as coisas, com
“a alegria ainda fácil entre os dedos”.
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Em “[Vão dizer que passa num instante]”, a poeta, embevecida, realiza outra descoberta: “o instante é onde mora a criança”. Portanto, a criança que estava aqui
ontem não é a mesma agora e é quase certo que não se manterá amanhã. Conclusão: “tudo é um lar cigano”, uma cena em permanente mutação.
Um exercício livre dessas mutações aparece no poema seguinte, “[Esse é o jardim das loucuras consentidas]”. Aqui, “Uma menina nua corre debaixo das nuvens /
Ela grita no vento para ir com o vento”. Com o vento, claro, continuam as peregrinações ciganas.
Vem agora “[Ela não quer fechar os olhos]”, o último texto de nossa pequena amostra de Canções Meninas. A criança insiste em não pegar no sono. Mas
afinal dorme. De olhos abertos. Bons sonhos mutantes.
Talvez, num primeiro momento, antes de se aproximar de Canções Meninas, o leitor estranhe saber que as ilustrações são assinadas por uma menina de
dois anos. Porém, depois de ler os poemas e visualizá-los no contexto gráfico do livro, percebe-se que os desenhos da pequena Yolanda — alguns figurativos,
alguns abstratos (pelo menos aos meus olhos) — rimam perfeitamente com a fugacidade dos horizontes infantis sinalizados pelos versos.
Mãe e filha acertaram na parceria.
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Mariana Ianelli (São Paulo, 1979) é poeta, contista e ensaísta. Estreou na poesia em 1999, com o livro Trajetória de Antes. Publicou em seguida mais oito coletâneas,
entre as quais Duas Chagas (2001); Almádena (2007); Tempo de Voltar (2016); e Canções Meninas (2019). Sua antologia Manuscrito do Fogo
(2019) reúne poemas de oito títulos anteriores.
A poeta Mariana Ianelli já esteve aqui neste boletim nas edições n. 289 (2013)
e n. 282 (2007).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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