Amigas e amigos,
O autor em foco nesta edição, Fabrício Oliveira, é, com certeza, o poeta mais jovem já publicado no poesia.net. Nascido
em 1996, em Santo Estêvão-BA, Oliveira é licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Feira de Santana, onde atualmente cursa
o mestrado em Estudos Literários.
Os poemas exibidos aqui integram o livro Viração, lançado este ano pela Editora Patuá. Mas esta não é a primeira coletânea assinada por Fabrício Oliveira.
Dois anos atrás, ele deu a público, pela mesma editora, o volume Gramática das Pedras. Assim, aos 26 anos, o autor já reúne ponderável
experiência editorial.
Uma característica marcante — aliás, mais do que isso, fundamental — na poesia de Fabrício Oliveira é que ele constrói seus artefatos líricos sempre a partir
da realidade. Não há, em Viração, praticamente nenhum momento de pura abstração ou de mero exercício formal.
Outro traço essencial da criação poética de Oliveira é sua vinculação à gente de sua terra, sua vida, seus afazeres e sofrimentos cotidianos. Observador
desde criança e dono de ouvido sempre pronto a ouvir as histórias de seu povo, ele baseia muitos de seus textos em relatos ouvidos de ancestrais,
pessoas do campo. O próprio autor me contou esse detalhe, em conversa que mantivemos para falar sobre o livro Viração.
Ele revela que teve a oportunidade de conviver bastante com bisavós longevos, centenários, e deles e delas ouviu muitos relatos sobre a vida do povo
em sua região. Até hoje mantém forte proximidade com uma avó. Portanto, sua poesia tem também um traço autobiográfico. Funda-se não somente em
experiências vividas pelo autor, mas também em notícias fornecidas por pessoas de sua comunidade.
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Mas já é hora de passarmos aos poemas de Fabrício Oliveira.
No primeiro texto, “Linhagem”, que tem apenas três versos, o poeta faz questão de dizer de onde vem e afirma sua vinculação aos ancestrais. Em
“Fazenda Dique”, o poema seguinte, o narrador, menino, é enviado às pressas à casa de Francelina Parteira, certamente para
que esta venha acudir alguma mulher em vias de dar à luz.
O texto descreve Francelina Parteira: “mulher alta, galhofeira, / pegou (com as mãos surradas de manhãs / lavrando os roçados) / muitos natimortos”.
E ao falar em nascimentos, o sujeito lírico sugere que as crianças nascidas ali já nascem com “um peso nas costas” e associa esse peso ao
“furor dos ancestrais/ mortos nas senzalas da Fazenda Dique”. O “furor dos ancestrais”, citado em três dos poemas mostrados aqui, parece
funcionar como um totem, uma referência quase sagrada em todo o livro.
A personagem Francelina Parteira aparece várias vezes nos poemas de Viração, inclusive em “Histórias do Brasil”, o último texto ao lado.
Neste poema, o narrador, criança, também vai à casa de Francelina convocar seus serviços obstétricos. Mas o que se tem, neste caso, não é um
parto comum. Trata-se na verdade de uma história de violência brutal contra a
mulher. Uma tragédia.
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Leiamos agora o poema “Senzala”, dedicado a Aniceta, tataravó do poeta, escravizada. “Aniceta morreu no tronco enluarado”, diz o texto.
Enquanto conta a história dessa ancestral, o narrador insere no texto pequenas lembranças da própria vida.
O poema “Riacho de Areia” apresenta uma descrição de um lugar no ambiente rural e de seus viventes. Aqui, o narrador lembra “o cheiro bom do massapê /
onde meninos negros / que chupam mangas quase amargas / circunscrevem Áfricas, / num alfabeto de juremas secas, num sertão regido /
por atabaques e pássaros-pretos”.
O penúltimo poema de nossa miniantologia começa com uma declaração de amor ao Paraguaçu, o maior rio genuinamente baiano, que nasce na Chapada
Diamantina e deságua na baía de Todos os Santos. Diz o poema: “De todos os rios o mais musical é o Paraguaçu / porque ajuda meu coração a arfar
e querer”. Mas o amor ao rio não apaga as sofridas origens históricas: “Minha cidade ainda tem hálito de açoites.// Minha cidade ainda
tem nódoas da fome / que o vento escava nas pálpebras / dessas mulheres (descalças) / mais Viração que a Viração / onde até as casas têm fome”.
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Após a leitura de Viração, penso que existe certo parentesco entre este livro de Fabrício Oliveira e o romance Torto Arado,
do premiado autor Itamar Vieira Junior, também baiano. Não se trata de vinculação direta, mas ambos se baseiam em personagens rurais, todos
negros, ambientados num lugar onde se escutam, a cada passo, profundos ecos da escravidão.
Viração já conquistou muito boas apreciações da crítica. No prefácio, o poeta e professor baiano Aleilton Fonseca escreve: Viração
é uma metáfora perfeita: um sopro forte de poesia que se desdobra em lufadas de sentidos configurados pelo discurso de um autor muito consciente
de suas origens e de suas escolhas estéticas".
Outros elogios vêm dos poetas cariocas Geraldo Carneiro e Alexei Bueno (este último autor do texto na orelha do livro), do poeta baiano
Ruy Espinheira Filho e também do crítico gaúcho André Seffrin.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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