Amigas e amigos,
O boletim desta quinzena destaca o poeta mineiro Alexandre Marino (Passos, 1956) fixado em Brasília. Marino já esteve aqui no poesia.net
na edição n. 201, no já distante ano de 2007. Desta vez, ele retorna com
poemas de seu livro mais recente, Terra Sangria, lançado em 2022 pela Editora Penalux.
Nesta coletânea, escrita durante a pandemia, o autor declara ter usado a poesia como “ferramenta contra o pesadelo”. Sim, um pesadelo de enormes proporções:
além da pandemia, o poeta elenca uma série de escombros e ruínas, como a difícil vida nas cidades brasileiras, as guerras do dia a dia, as desigualdades,
desastres ecológicos e sociais.
Não é à toa que o poeta veste a capa de áugure moderno e começa assim o primeiro poema, “Horóscopo”: “Todas as horas são trágicas./ Abre-se a janela / e se
anuncia a tempestade. / Despeja-se o dia / repleto de más notícias”. Atenta a esse clima sombrio, a poeta Mariana Ianelli diz, num dos dois prefácios do livro:
“Cá estamos, numa terra que nos é dolorosamente familiar, à primeira vista, em sua desabrida sangria. (...) O poeta nos rememora esse universo, leva-nos pela
música do poema a uma harmonia incorrespondente com seu teor de pandemônio: segredo da poesia”.
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Além do exercício poético-astrológico de Alexandre Marino, selecionei mais cinco poemas como amostras de Terra Sangria. O segundo poema, “As Guerras”, parece comprovar a afirmação
do verso “Todas as horas são trágicas”. Trata-se de um texto cujo tema é o brutal assassinato, no Rio de Janeiro, do jovem imigrante congolês
Moïse Kabagambe, em janeiro de 2022.
O poema fala diretamente com a vítima: “As guerras jamais acabam, Moïse, / as guerras te perseguem / como sombra. / O mar. Que beleza é essa / que desaparece diante de teus olhos, /
as dores de teu corpo estirado / que esfria aos poucos / como as areias na madrugada?”. Kabagambe e sua família, vale lembrar, vieram para o Brasil em 2014, fugindo de uma guerra
civil que se desenrola na República Democrática do Congo (Congo-Quinxassa) desde 2012.
Vem a seguir o poema “Os Vivos e os Mortos”. Aqui, sob o impacto da pandemia, o poeta escreve: “A diferença / entre um homem vivo / e um homem morto /
é só da boca para fora”. O choque da morte domina tudo e constrange a mente dos vivos como um pesadelo palpável, terrivelmente real.
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Em “A flor-cadáver”, o poeta parte de informações sobre a planta (Amorphophallus titanum), cuja inflorescência, conhecida como "flor-cadáver",
exala o aroma de carne em decomposição. No texto, esse mau cheiro “semeia a cizânia” entre as espécies vegetais. Mas na verdade o poema não está falando
de plantas. O desassossego vem de fato do que só se revela no último quarteto: “A água do riacho já secou, / o jardim morre de veneno e de dores. /
Para acabar de vez com toda a vida / só falta avançarem os tratores”.
O poema seguinte se mantém no ambiente da floresta. “Amoin Aruká” é uma elegia que lamenta a destruição de um povo da região amazônica. “Está bem morto
/ o guerreiro Amoin Aruká / último homem do povo Juma / último dos sete sobreviventes / do massacre do Rio Assuã”.
O poema trata do falecimento (de covid, em fevereiro de 2021) do indígena Aruká Juma, que tinha entre 86 e 90 anos. Aruká, último homem do povo Juma,
sobreviveu em 1964 ao massacre de 60 indígenas em sua aldeia, em Rondônia. Deixou três filhas, também do povo Juma, mas casadas com homens de outro
povo, da etnia Uru-eu-wau-wau.
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O derradeiro poema da seleção é “Vapores Rubros”. Nele, embora a atmosfera permaneça quase irrespirável e sombria, acende-se um pequeno arco-íris.
“Os espíritos da floresta / imunes ao genocídio” e “Os vapores rubros da Amazônia” remetem mensagens “aos tristes jardins urbanos / onde a esperança
/ hiberna entre cinzas”. Tomara que os habitantes próximos a esses jardins, que formam a maioria da população, saibam receber esses avisos.
É exatamente nesse tímido arco-íris, nessa nesga de esperança entre cinzas, que a escritora Maria Valéria Rezende, também prefaciadora de Terra Sangria,
localiza o trabalho do autor. Diz ela: “Precisamos de ajuda, precisamos dos poetas e de sua capacidade de transmutar as palavras para dizer o indizível.
É o que faz Alexandre Marino nestas páginas”.
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Natural de Passos-MG, Alexandre Marino (1956-) envolveu-se desde cedo com a literatura. Na adolescência, em parceria com amigos, fundou a revista
Protótipo, que teve sete edições em três anos. Depois, mudou-se para Belo Horizonte, onde fez os cursos de jornalismo e publicidade. Lá, entre 1979
e 1981, publicou seus dois primeiros livros de poesia: Os Operários da Palavra e Todas as Tempestades. Nessa época o poeta adotou o estilo
consagrado nos anos 70, vendendo seus livros em bares, restaurantes e filas de teatro.
Em 1982, Marino transferiu-se para Brasília, onde vive até hoje. Além dos títulos de estreia, seus outros livros são:
Terra Sangria (Penalux, 2022); Hiatos (Patuá, 2017); Exília (Dobra, 2013);
Poemas por Amor (Varanda, 2007); Arqueolhar (LGE, 2005); e O Delírio dos
Búzios (Varanda, 1999).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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Cicatrizes
• Carlos Machado
Amigas e amigos:
nesta semana, lançarei
em São Paulo novo livro de poesia, Cicatrizes, publicado por uma empresa também novíssima em folha, a Balaio Editorial.
Quando: sábado, 15/04 das 16h às 19h.
Onde: Bar Canto Madalena
Rua Medeiros de Albuquerque, 471 - Vila Madalena
São Paulo - SP
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