Charles Simic
Caros amigos,
Nascido em Belgrado, Iugoslávia, em 1938, o poeta, tradutor e ensaísta americano
Charles Simic mudou-se para Paris aos 15 anos. Em 1954, com a mãe e um irmão,
transferiu-se para os Estados Unidos a fim de se juntar ao pai, que já residia
lá.
Seus primeiros poemas foram publicados em 1959, mas sua estréia em livro deu-se
em 1967, com o volume What The Grass Says (O que diz a relva). Professor
de inglês, poeta consagrado, Simic ganhou o prêmio Pulitzer de 1990 com o livro
The World Doesn't End (O mundo não se acaba). Como tradutor, publicou várias
coletâneas de poemas vertidos para o inglês de idiomas como francês, sérvio,
croata, macedônio e esloveno.
A infância vivida nos duros anos da Segunda Guerra Mundial representou uma
experiência marcante para Simic e que certamente influencia até hoje seu
trabalho poético. "Em 6 de abril de 1941, uma bomba caiu sobre um edifício bem
em frente a minha casa. Lembro que me tirou da cama. É minha primeira
recordação", conta ele numa entrevista publicada pela
revista
Agulha (em espanhol).
Um traço que a crítica costuma apontar na poesia de Simic são as imagens
surrealistas, com a recorrência de termos como árvores, deuses, demônios e
escuridão. No entanto, não há em seus versos as invenções delirantes dos
surrealistas clássicos. Seus textos procuram extrair o que pode haver de absurdo
ou fantástico nas coisas comuns.
Um exemplo disso é dado pelo poema "The White Room" (O Quarto Branco),
transcrito ao lado. Nele, Simic busca o transcendente naquilo que é óbvio e está
ao alcance da mão. Mas o poeta recusa a idéia de deuses metamorfoseados em
objetos do dia-a-dia: grampos de cabelo, pentes, espelhos de mão. Isso
certamente não ajuda a entender o mundo.
O poema "The White Room" pertence ao volume The Book of Gods and Devils,
de 1990. Desse mesmo livro de deuses e demônios extraí o poema "In The Library"
(Na biblioteca). Amante dos livros, o poeta vê neles deuses e anjos amontoados
que parecem sussurrar coisas — somente para os íntimos.
Numa entrevista concedida em 1972, Simic declara: "A poesia é órfã do silêncio.
As palavras nunca correspondem exatamente à experiência que está por trás
delas". É como se o silêncio fosse um mundo ou uma dimensão perdida que a poesia
procura resgatar.
Embora seja hoje uma das vozes mais originais e influentes na poesia americana,
Simic não é conhecido no Brasil. Aqui, ninguém nunca se interessou em publicar
uma antologia com poemas dele. A única iniciativa nesse sentido de que tenho
notícia veio dos poetas
Fabio Weintraub e
Ricardo Rizzo, que
traduziram e publicaram 16 poemas de Simic na revista
Cacto n. 3 (primavera de 2003). Rizzo também deu a público três outras
traduções na revista Jandira n. 2 (outono de 2005).
A VOZ DO POETA
Para
ouvir o poeta lendo o poema "In The Library", clique
aqui, ou no alto-falante ao lado.
Um abraço,
Carlos Machado
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POETAS MALDITOS
Uma dica para quem está em São Paulo. O poeta Claudio Willer coordena o ciclo de
debates Os Malditos, realizado de 23 de março a 18 de maio. Segundo Willer, "o
termo 'malditos' designa autores cujas obras, por incompreensão de seus
contemporâneos ou pela ação da censura, demoraram para ser lidas e aceitas; e
que, subseqüentemente, exerceram influência e foram vistas como inovadoras." Os
próximos debates, sempre às quintas-feiras, trarão palestras de João Silvério
Trevisan, Cláudio Willer, Maria Lúcia dal Farra, Marcos Siscar e Lucila
Nogueira.
• Local:
Biblioteca Mário de Andrade
Rua da Consolação, Centro
São Paulo, SP
• Próximas datas:
04/05; 11/05; e 18/05
• Hora: 19:30h
• Inscrições e Informações:
tel. (11) 3256-5270, ramal 206
ou pelo e-mail
kbocchi@prefeitura.sp.gov.br
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Órfão do silêncio
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Charles Simic
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O QUARTO BRANCO
Tradução: Carlos Machado
O óbvio é difícil de
provar. Muitos preferem
o oculto. Eu também preferia.
Eu escutava as árvores.
Elas guardavam um segredo
que estavam prestes
a me revelar —
e não o fizeram.
Veio o verão. Cada árvore
de minha rua tinha sua própria
Xerazade. Minhas noites
faziam parte de suas histórias
selvagens. Entrávamos
em casas escuras,
casas sempre mais escuras,
silenciosas e abandonadas.
Havia alguém de olhos fechados
nos pisos superiores.
O medo e o fascínio me
mantinham bem desperto.
A verdade é nua e crua,
disse a mulher
que sempre se vestiu de branco.
Ela não saiu muito de seu quarto.
O sol apontava uma ou duas
coisas que tinham sobrevivido
intactas na longa noite.
As coisas mais simples,
difíceis em sua obviedade.
Essas não faziam barulho.
Era um dia do tipo
que as pessoas chamam "perfeito".
Deuses disfarçados de
grampos de cabelo, espelho de mão,
um pente com um dente faltando?
Não! Não era isso.
Apenas as coisas como são,
mudas, imóveis, sem piscar,
naquela luz brilhante —
e as árvores esperando a noite.
THE WHITE ROOM
The obvious is difficult
To prove. Many prefer
The hidden. I did, too.
I listened to the trees.
They had a secret
Which they were about to
Make known to me —
And then didn't.
Summer came. Each tree
On my street had its own
Scheherazade. My nights
Were a part of their wild
Storytelling. We were
Entering dark houses,
Always more dark houses,
Hushed and abandoned.
There was someone with eyes closed
On the upper floors.
The fear of it, and the wonder,
Kept me sleepless.
The truth is bald and cold,
Said the woman
Who always wore white.
She didn't leave her room much.
The sun pointed to one or two
Things that had survived
The long night intact.
The simplest things,
Difficult in their obviousness.
They made no noise.
It was the kind of day
People described as "perfect."
Gods disguising themselves
As black hairpins, a hand-mirror,
A comb with a tooth missing?
No! That wasn't it.
Just things as they are,
Unblinking, lying mute
In that bright light —
And the trees waiting for the night.
NA BIBLIOTECA
Para Octavio
Há um livro chamado
Dicionário de Anjos.
Ninguém o abrira em cinqüenta anos.
Eu sei, porque quando o abri
as capas rangeram, as páginas
se esmigalharam. Ali descobri
que os anjos já foram tão numerosos
como espécies de moscas.
O céu ao entardecer
ficava coalhado deles.
Era preciso agitar os braços
para mantê-los a distância.
Agora o sol brilha
através das altas janelas.
A biblioteca é um lugar tranqüilo.
Anjos e deuses se amontoam
em livros escuros não-abertos.
O grande segredo repousa
em alguma estante, junto à qual
a srta. Jones passa
em suas rondas diárias.
Ela é muito alta e mantém
a cabeça inclinada como se escutasse.
Os livros estão sussurrando.
Não ouço nada, mas ela sim.
Tradução: Carlos Machado
Ouça o poeta Charles Simic lendo o poema "In The Library"
IN THE LIBRARY
for Octavio
There's a book called
A Dictionary of Angels.
No one had opened it in fifty years,
I know, because when I did,
The covers creaked, the pages
Crumbled. There I discovered
The angels were once as plentiful
As species of flies.
The sky at dusk
Used to be thick with them.
You had to wave both arms
Just to keep them away.
Now the sun is shining
Through the tall windows.
The library is a quiet place.
Angels and gods huddled
In dark unopened books.
The great secret lies
On some shelf Miss Jones
Passes every day on her rounds.
She's very tall, so she keeps
Her head tipped as if listening.
The books are whispering.
I hear nothing, but she does.
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