Álvaro Alves de Faria
Caros,
Paulistano do ano da graça de 1942, o poeta, prosador e jornalista Álvaro Alves
de Faria publicou seu primeiro livro, Noturno Maior, em 1963. No ano
seguinte, lançou nova coletânea,
Tempo Final. Pouco depois, ele ganharia ampla notoriedade, por causa das
leituras de poemas que realizou publicamente no Viaduto do Chá, no centro da
capital paulista. Seu livro O Sermão do Viaduto (1965) foi lançado num
desses recitais.
Só que, com a tomada do poder pelos militares em 1964, o tempo não era de
poesia. Em 1966 os sermões do viaduto foram proibidos e seu jovem idealizador
preso cinco vezes. Vazados em tom profético, os poemas do Sermão eram
claramente influenciados pelos textos bíblicos:
Peço a solidão dentro de um vidro, / peço a praça para morrer e um canteiro /
onde cresçam estrelas e / estátuas e deuses.
Nada de terrivelmente desagregador
—
a não ser a coragem do poeta de levar a subversão da poesia (a palavra poética é
sempre subversiva) a uma praça já sitiada.
Álvaro Alves de Faria deu prosseguimento ao seu trabalho como poeta e continuou
publicando regularmente. Em 2003, a editora Escrituras reuniu seus 16 livros de
poemas escritos até então no volume Trajetória Poética. Na pequena
antologia ao lado selecionei cinco poemas, todos extraídos dessa obra reunida.
Naturalmente, em 40 anos de ofício, o autor mudou e sua poesia explorou novos
temas e modos de expressão. Como seria extenso mostrar todas essas facetas,
decidi mostrar somente poemas de trabalhos mais recentes. Aqui estão
representados os livros O Azul Irremediável (1992), Terminal
(1999-2000) e À Noite, os Cavalos (2003).
Nestes poemas o autor não oculta um certo mal-estar, expresso em imagens fortes
("Nada senão a gilete enfiada na pele") e muitas vezes uma sufocação ou ausência
de saídas: "Enfim / sou um homem prático. // Já posso matar-me sem remorsos".
O poema sem título "[A Pessoa Certa]" pertence ao livro O Azul Irremediável.
Nesse texto o poeta lida com a falta de explicação ou de lógicas fáceis para a
extrema fragilidade da vida.
Nesses versos há sempre um clima de prontidão para o acontecimento de
"naufrágios súbitos / desses de que não se escapa / nem há pedidos de socorro".
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
ANTOLOGIA DE FICÇÃO
Quem já era leitor nos anos 70 deve lembrar-se da Ficção. Revista mensal
dedicada essencialmente ao conto, a Ficção foi um fenômeno editorial.
Lançada em janeiro de 1976, durou 44 edições. No primeiro ano, vendeu mais de
200 mil exemplares — ou seja, uma média de 17 mil por edição. Os editores eram
os escritores Eglê Malheiros, Fausto Cunha (1923-2005), Laura Sandroni, Cícero
Sandroni e Salim Miguel.
Agora, a Editora Leitura, de Belo Horizonte, está lançando a antologia Ficção
– Histórias para o Prazer da Leitura. São 528 páginas com 50 contos
extraídos do acervo da revista. Entre os autores estão Machado de Assis, Lima
Barreto, Ignácio de Loyola Brandão, Roniwalter Jatobá, Luiz Vilela, Moacyr
Scliar, Roberto Drummond, Ruy Espinheira Filho, Nélida Piñon, João Ubaldo
Ribeiro e Marina Colasanti. O lançamento será nesta quinta-feira, no Rio de
Janeiro.
Data: 23/8/2007, quinta-feira
Hora: 19h30
Local: Academia Brasileira de Letras
Av. Presidente Wilson, 203 – Castelo
Rio de Janeiro, RJ
•o•
ARTISTAS DO ABCD – CORREÇÃO
No boletim anterior, informei sobre a estréia do programa ABCD Maior em Revista,
que vai ao ar às 10 horas de domingo, na RedeTV. Disse também que a poeta
Dalila Teles Veras apresenta um quadro nesse programa, conversando com
escritores e artistas. Até aí, tudo certo. O erro está na extensão: o quadro
dura 5 minutos, e não 30. |
Naufrágios súbitos
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Álvaro Alves de Faria |
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ESTAR
Esferográficas cortam
palavras no céu da boca, como facas: assim, letras inertes cedem ao
tempo
e calam sílabas agudas.
Pouco áspero será o gomo de teu verso,
esse avesso do gesto, a poesia na xícara de veneno.
Pouco o nítido sentir o líquido de teu pressentimento como se
fosse possível
calar para sempre.
Nada senão a gilete enfiada na pele, a face
neutra do olhar enfermo: enfim a planta na raiz de teu pomar, enfim
o fim da espera, do estar.
OS CAVALOS NOTURNOS
Para Lygia Fagundes Telles
5
Ao inventar os oceanos não sabia das embarcações nem
de rumos
só de naufrágios inclementes.
Não sabia de rumos antigos nos
mapas derradeiros das viagens. Sabia dos dias por nascer atrás das águas
em montanhas de gelo e de velas mas não sabia de embarcações nem de
rumos ao inventar os oceanos.
Só de naufrágios súbitos desses de que não se escapa nem há
pedidos de socorro.
Não sabia ao inventar os mares nem de aves que nas tardes olham
os abismos das âncoras.
Não sabia nem dos rumos só de naufrágios de afogadas palavras que
não se compreendem.
PRATICIDADE
Para João de Jesus Paes Loureiro
Abro o guarda-chuva japonês cinza
em cima da minha cabeça e caminho em direção ao banco.
Pagarei minhas contas olharei os olhos vermelhos da moça do caixa
e observarei suas unhas claras.
Conversarei com outros clientes
sobre a vida e direi que o governo é culpado de tudo.
Nunca mais esquecerei esta mulher de boca acesa na fila
atrás de mim.
Sairei depois à rua e me sentirei um magnata fora do tempo.
Encontrarei à manhã vizinhos tristes e direi palavras
desnecessárias.
Enfim sou um homem prático.
Já posso matar-me sem remorso.
De
À Noite, Os Cavalos (2003)
[A PESSOA CERTA]
A pessoa certa atravessa a rua com
seu terno branco gravata de seda italiana. A pessoa certa executiva
de si mesma atravessa a praça com sapatos pretos meias de náilon
norte-americanas. A pessoa certa entra no prédio recolhe dinheiro
cola na pasta pega o elevador. A pessoa certa atravessa o hall
chega à porta giratória. A pessoa certa põe o pé na calçada e cai
fulminada sem saber por quê.
De O Azul Irremediável (1992)
ESPETÁCULO
Para Paulo de Tarso, Odete e o pequeno Nikolas
O salto mortal é meu número especial nesta tarde de domingo.
Não temo o trapézio por não saber voar sobre as cabeças que
torcem para a corda arrebentar.
Quando muito, abro a tarde falando ao respeitável público que
farei a mágica final de desaparecer sem nunca ter sido
visto por ninguém.
De Terminal (1999-2000)
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