Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu
Caros,
Neste boletim vamos fazer um breve passeio pelo romantismo
brasileiro, guiados por Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu, dois dos mais
destacados ícones dessa escola literária.
A CENA
O quadro é tipicamente romântico. Estamos no Rio de Janeiro, em meados do século
XIX. Num baile, a donzela na qual o poeta está interessado rodopia ao som de
uma valsa nos braços de outro. O pobre amante — sofredor por
definição, no romantismo — assiste a um canto, cheio de mágoa, mordido de
ciúmes.
Gonçalves Dias descreveu uma cena assim em 1846. Treze anos depois, Casimiro de
Abreu, que era um admirador do primeiro, refez a mesma descrição. Essa
revisitação de temas não ocorreu apenas nesse caso entre os dois poetas.
Casimiro, mais novo, chegou a compor uma "Canção do Exílio", homônima da escrita
em Portugal por Gonçalves, também falando em palmeira e sabiá (veja sobre isso o
boletim n. 174). Não há dúvida de que o primeiro texto é a origem do
segundo. Basta observar os dois inícios: "Ontem no baile / Não me atendias!"
(Gonçalves); e "Tu, ontem, / Na dança"...
Em "Pedido", Gonçalves Dias tenta obter o ritmo de dança mediante a repetição
dos dois versos centrais em cada quadra. Todo o exagero romântico está lá. O
sorriso e a voz que a moça dirige ao rival são concebidos pelo amante preterido
como mortíferos punhais. Vale lembrar que a amada talvez nem desconfie ser capaz
de provocar tamanha catástrofe no desconsolado mancebo.
Em "A Valsa", o texto de Casimiro, o ritmo é mais explícito, quase saltitante,
marcado pelos versos curtíssimos, de apenas duas sílabas métricas. Na análise de
Carlos Drummond de Andrade, mesmo dentro de igual ambientação romântica,
Gonçalves revela um temperamento viril. Ele fecha o poema com um apelo à amada
para que não fale nem sorria para o rival.
Casimiro — com "feminilidade", segundo Drummond — contenta-se, timidamente, em
desejar que a moça sinta as mesmas dores que excruciam o amante. E isso,
continua o itabirano, faz a diferença entre um mero imitador e o poeta que,
partindo de um tema alheio, ilumina-o com indiscutível toque pessoal.
OS AUTORES
• Antonio Gonçalves Dias (1823-1864) nasceu em Caxias, no Maranhão. Era filho de
um comerciante português com uma cafuza brasileira. Estudou direito em Coimbra,
entre 1838 e 1845. Voltou à Europa em 1862, para tratamento de saúde, sem êxito.
Ao retornar, a embarcação em que viajava naufragou em águas maranhenses.
Gonçalves Dias foi a única vítima fatal. Doente, foi abandonado em seu leito no
navio.
• Casimiro José Marques de Abreu (1839-1860) nasceu em Barra de São João, no
Estado do Rio de Janeiro. Filho de um comerciante português e de uma fazendeira
viúva, recebeu apenas instrução primária. Em 1853, embarcou para Portugal, onde
manteve contato com os meios intelectuais e escreveu a maior parte de seus
poemas. Retornou ao Brasil em 1857. Em 1859, reuniu seus poemas no volume
Primaveras. Tuberculoso, morreu com apenas 21 anos.
A IDÉIA
Retirei a idéia de comparar esses dois poemas de uma crônica de Carlos Drummond
de Andrade, "O Sorriso de Gonçalves Dias", publicada no livro Confissões de
Minas. A crônica é do início dos anos 30 e o volume foi publicado
originalmente em 1944.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
EVENTOS DA SEMANA
Esta é uma semana movimentada. Aqui vão três eventos que merecem atenção:
dois em São Paulo e um em Belo Horizonte.
* POESIA E PINTURA
Dica para quem está em São Paulo. O poeta baiano
Cyro de Mattos falará sobre sua poesia nesta quinta-feira, 30/8, durante a
abertura da exposição "Cores do Mar", com aquarelas de Sima Woiler e
esculturas de Andina Worcman. Poemas do livro Ecológico, de Mattos (Ed.
Palimage, Viseu, Portugal, 2006), inspiraram os trabalhos expostos das duas
artistas plásticas.
Data: 30/8/2007, quinta-feira
Hora: 19h30
Local: Centro Cultural da Marinha
Av. 9 de Julho, 4597 – Jardim Paulista
São Paulo – SP
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+ 95 – 15 = JOHN CAGE
Um grupo de artistas de diversas áreas
—
entre os quais os poetas
Ricardo Aleixo e Marcelo Dolabela
—
apresenta em Belo Horizonte o espetáculo + 95
- 15 = john cage. Trata-se de um espetáculo para rememorar os 95 anos de
nascimento e 15 de morte do compositor e artista visual de vanguarda americano
John Cage.
Data: 30/8/2007, quinta-feira
Hora: 19h00
Local: Multiespaço Oi Futuro
Av. Afonso Pena, 4001
Belo Horizonte – MG
•o•
* ANDRÉ LUIZ PINTO
Ao Léu
O poeta carioca
André Luiz Pinto lança no próximo sábado, dia 1/9, seu livro Ao Léu,
que sai pela Editora Bem-Te-Vi.
Data: 1/9/2007, sábado
Hora: 17h00
Local: Bar Paralelo 12:27
Rua Joaquim Távora, 1227 - Vila Mariana
(Próximo do Metrô Ana Rosa)
São Paulo, SP
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Uma valsa e dois ciúmes
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Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu |
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• Gonçalves
Dias:
PEDIDO
Ontem no baile Não me atendias! Não me atendias, Quando eu falava.
De mim bem longe Teu pensamento!! Teu pensamento, Bem longe
errava.
Eu vi teus olhos Sobre outros olhos! Sobre outros olhos,
Que eu odiava.
Tu lhe sorriste Com tal sorriso! Com tal sorriso, Que
apunhalava.
Tu lhe falaste Com voz tão doce! Com voz tão doce, Que me
matava.
Oh! não lhe fales, Não lhe sorrias, Se então só qu'rias
Exp'rimentar-me.
Oh! não lhe fales, Não lhe sorrias, Não lhe sorrias, Que
era matar-me.
• Casimiro
de Abreu:
A VALSA
Tu, ontem, Na dança Que
cansa,
Voavas Co'as faces Em rosas Formosas De vivo,
Lascivo
Carmim; Na valsa Tão falsa, Corrias, Fugias,
Ardente,
Contente, Tranqüila, Serena, Sem pena De mim!
Quem dera
Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem
dera
Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!...
Meu Deus! Eras bela Donzela, Valsando, Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo Risonho Que em sonho Nos vem! Mas esse
Sorriso
Tão liso Que tinhas Nos lábios De rosa, Formosa, Tu
davas,
Mandavas A quem ?!
Quem dera Que sintas As dores
De amores
Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues,
Não mintas,.. — Eu vi!... Calado, Sozinho
Mesquinho,
Em zelos Ardendo, Eu vi-te Correndo Tão falsa Na
valsa
Veloz! Eu triste Vi tudo!
Mas mudo Não tive Nas
galas
Das salas, Nem falas, Nem cantos, Nem prantos, Nem voz!
Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco
Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues Não
mintas...
— Eu vi!
Na valsa Cansaste; Ficaste Prostrada,
Turbada!
Pensavas, Cismavas, E estavas Tão pálida Então; Qual
pálida
Rosa Mimosa No vale Do vento Cruento Batida,
Caída
Sem vida. No chão!
Quem dera Que sintas As dores
De amores
Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues,
Não mintas... Eu vi!
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