Maria Thereza Noronha
Caros amigos,
A poeta
Maria Thereza Belisário de Noronha nasceu em Juiz de Fora (MG). Formou-se em
Direito pela Universidade Federal daquela cidade, trabalhou e reside no Rio de
Janeiro. Maria Thereza estreou em livro em 1990, com o volume de poemas A
Face na Água. Depois, publicou Pedra de Limar (1993), A Face
Dissonante (1995), Alaúde (2001) e O Verso Implume (2005).
Praticante de uma poesia essencialmente lírica, Maria Thereza Noronha pertence à
estirpe de brilhantes vozes femininas em que se destacam nomes como
Cecília Meireles e
Henriqueta Lisboa. O ponto comum entre essas três poetas está na singeleza
do verso, que flui leve e musical. Leia-se, por exemplo, o poema "Simplicidade",
integrante do livro O Verso Implume. De fato, a autora parece despir seu
discurso de qualquer excesso de plumagens. "Sem peso e sem gravidade / ao vento
flutua, incerto".
A poesia de Maria Thereza Noronha é também uma meditação sobre a passagem do
tempo. Este, direta ou indiretamente, é o tema de vários dos poemas transcritos
ao lado. De forma explícita, o fluir do tempo está presente, por exemplo, em
"Memória", "Finito e Infinito", "Fotografia" e Duas Fotos".
Maria Thereza Noronha é mais um desses poetas que constroem, discretamente, sem
alarde nem foguetório, uma obra poética sensível que merece nossa atenção.
Agradeço ao contista e tradutor carioca Ivo Korytowski por ter me apresentado a
poesia de Maria Thereza Noronha.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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LANÇAMENTOS
A Editora da Casa lança, no próximo dia 15 de julho, três livros de poesia e
dois de ensaios. São eles:
Poesia:
• Exames de Rotina
de
Tarso de Melo
• Vazados e Molambos
de Laura Erber
• Livro da Dança
de Gonçalo M. Tavares
Ensaio:
• Livro, Segredo e Infâmia
de Júlia Studart
• 55 Começos
de Manoel Ricardo de Lima
Data: 15/7, terça-feira
Hora: A partir das 20h00
Local: Pizzaria Urca
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2401 - tel. (11) 3289-0456
São Paulo – SP |
O verso sem plumas
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Maria Thereza Noronha |
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SIMPLICIDADE
O que por mar vier não sendo barco
alga coral peixe retardatário
será de mim o que deixei alhures:
praia perdida de remoto mar.
O que por ar vier não sendo asas
— aeronave ou ave migratória —
rumor será de vento nas acácias:
rota antiga de um sonho perdulário.
O que por terra vier será bem-vindo
como bem-vindas são as coisas simples,
estratégia e rotina se alternando:
legada a insanidade aos altos píncaros.
De O Verso Implume
(2005)
MEMÓRIA
Quando foi aquele tempo
em que eu me olhava, sonhando,
nas águas desta bacia
e via o rosto da moça
que, do fundo, me sorria?
Onde foi parar o sonho?
Pra onde foi a magia?
Pra onde o rosto da moça
que, do fundo, me sorria?
Em que águas refletida
sorri agora, tardia,
a face que me sorria
lá no fundo da bacia?
De A Face na Água
(1990)
FINITO E INFINITO
Ente as folhas do outono
e a infinita linha do oceano
cumpre-nos escalar montanhas
decifrar inscrições rupestres
desmontar o teorema, captar
sua argúcia de mestre.
E, inabaláveis, posto que lúcidos,
no finito da carne o agudo vértice
suavizar, e o ardor insano.
Entre as folhas do outono
e a sombra dos ciprestes.
De A Face Dissonante
(1995)
FOTOGRAFIA
(ao Iacyr Anderson Freitas)
Escura de sombra, se apaga
ao clique metálico da câmera.
Recusa o sol e a imagem rápida
do instantâneo.
Não posa, pousa. Garça humilhada
do vôo ao pântano passa.
Quando a revelarem, pouco se abrirá
da flor que o ventre disfarça.
Escorre a recusa na chapa,
lambuza a imagem. O contorno
se esfuma, borra
o canto do expressivo mapa
da família. Diluída,
nada se verá de seu.
Que face é esta, ensombrecida?
Tenta o sorriso? Ensaia o adeus?
Não repousa, pousa. Sem peso
nem rosto — ignota, fiel
a si mesma. Recusa a seca
imortalidade do papel.
Cem anos depois, o álbum
— onde histórias se contam, esgarçadas,
na face neutra dos antepassados —
alguém folheia, sem ênfase, sem pressa.
Indaga, a esmo:
E quem é essa?
VERSOS IMPLUMES
Pousa no papel, de leve,
a pluma de um verso imberbe.
Sem peso e sem gravidade
ao vento flutua, incerto.
Não há mão que, firme, o empunhe
nem há, certeira, a palavra
que armá-lo em seus ossos possa
e a ele se prenda, escrava.
E a ele se agarre, invicta,
nos expoentes da luta
e delineie o sentido
que a maré vazante esboça.
E vá se emplumando em signos
nas densas hastes do ritmo
e coreografe o minuto
onde o verbo se faz carne.
Ah, que a palavra desate
o cativo, implume pássaro!
E nele exercite a arte
de livre voar, incólume.
E explodir, absoluto.
CARPE DIEM
Como da rotina desencravar
o dia
(banho, café, jornais,
cartas a escrever, contas a pagar)
e estendê-lo para secar
ao sol de maio?
O dia sem véspera
ou promessas vindouras
sem a face encovada da dúvida.
E, então, nos olharíamos e eu diria:
olá, dia.
Vamos juntos à praia ou ao cinema
ou fiquemos apreciando o pôr-do-sol
que de teu dorso escuro se irradia.
E o dia, gema posta a brilhar
ao sol de maio,
com a dureza e o mistério dos dias,
em fios iridescentes se envolveria.
E, fixando-me os olhos,
me cegaria.
Como da retina desencravar
o dia?
DUAS FOTOS
Todos os cinco irmãos
aqui estão
espremidos no retrato
premidos pelo ato
de posar.
Todos os cinco irmãos
mais parceiros e preceitos
de jornada e convivência
(tirante alguns que à solidão
não deram jeito).
Já as idades, somadas,
alcançam muitas dezenas.
Quanto — nas fisionomias
aqui renovadas
no tempo que se refaz —
resta da fotografia
antiga, aquela de
quarenta anos atrás?
O irmão hoje encanecido
posa no colo da mãe
e o que exibe alguma calva
pertence a outra tarde malva
posto de terno e gravata
aos dezesseis.
As três irmãs, pelo tempo
modeladas
na mesma fôrma e cinzel,
aqui persistem, devotas,
de idêntica liturgia
na mesma altura dispostas.
Entanto, a foto de antanho
exibe-as em escadinha
cada uma em seu tamanho.
E a mãe, ausência serena
aqui,
na outra domina a cena.
De O Verso Implume
(2005)
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