Izacyl Guimarães Ferreira
Caros,
Izacyl Guimarães Ferreira é um artista que, como poucos, aprecia enfrentar
os desafios de um projeto poético. Esta é a segunda vez que trago aqui esse
escritor, que já está em sua sexta década de produção. E, coincidentemente,
tanto na primeira vez (poesia.net
104) como agora, ele vem por causa de um projeto poético.
O primeiro boletim dedicado à poesia de Izacyl Guimarães Ferreira, três anos
atrás, enfocava seu penúltimo livro, Memória da Guerra, de 2002, uma
empreitada em que o poeta se debruçou sobre amplos aspectos dos grandes
conflitos armados. Dessa memória extraiu poemas densos, emocionados e
inevitavelmente marcados pela crueza do tema.
Agora, o que motiva o atual boletim é um novo livro, Discurso Urbano
(2007), também resultante de um projeto temático. Desta vez, como o título
sugere, o poeta decidiu exercitar sua sensibilidade visitando as aglomerações
urbanas. Essa visita às cidades do mundo se faz em diferentes e amplas
dimensões.
O extenso poema começa com o narrador, qual astronauta, enxergando do espaço as
manchas e luzes sobre a Terra, que são indícios de cidades (bloco 1) . Depois,
já no solo, inicia um percurso histórico e geográfico por urbes do Mundo Antigo,
como Constantinopla, Nínive e Cartago. E daí prossegue para se aproximar
de metrópoles modernas, como Berlim e Chicago (bloco 2).
O arrojado périplo de Discurso Urbano também desce à dimensão da
convivência humana e seus desencontros dentro de várias cidades. Além de muitas
estrangeiras, como Nova York e Barcelona, lá estão as brasileiras Rio de Janeiro
— torrão natal do poeta —, São Paulo, Brasília. E, dentro delas, as favelas —
"os quase bairros / pardas cidades que não são". Não ficam de lado nem os
espaços dedicados aos cultos religiosos — mesquitas, sinagogas, catedrais — nem
as necrópoles, as cidades dedicadas aos mortos.
Estruturalmente, o percurso do poema se divide em 50 estações
numeradas, todas compostas por 10 decassílabos. Portanto, o Discurso
se estende por meio milheiro de versos. Cada um dos blocos de dez versos é na
verdade um poema com vida própria, que pode ser lido de forma isolada.
Após ler o livro, decidi que iria fazer um boletim com ele. Marquei alguns dos
blocos. Depois, enquanto escrevia este texto, senti que devia incluir outros
blocos não marcados. No final, havia mais de 20. Naturalmente, não posso dar
como amostra a metade do livro. Tive, então, de fazer o trabalho inverso:
expulsar blocos antes escolhidos e ficar apenas com os oito transcritos ao lado.
Esse vaivém na seleção dos poemas dá uma boa idéia do excelente nível alcançado
pela poesia de Izacyl Guimarães Ferreira em sua aventura pelas cidades do mundo.
Com o volume Discurso Urbano, o autor recebeu este ano o Prêmio ABL de
Poesia, da Academia Brasileira de Letras.
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Nascido em 1930 no Rio de Janeiro, Izacyl Guimarães Ferreira estreou na poesia
em 1950 e desde então vem mantendo produção regular. Em 1980, reuniu no volume
Os Fatos Fictícios toda a obra anterior. Depois disso já publicou cerca
de uma dezena de livros, entre os quais os citados Memória da Guerra
(2002) e Discurso Urbano (2007). Ensaísta e divulgador de poesia, o autor
publica com freqüência artigos em jornais, revistas e sites
especializados.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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MEMÓRIA DA GUERRA
Você
pode ler o texto completo do volume
Memória da Guerra, de Izacyl Guimarães Ferreira, em formato PDF. Para isso,
clique no link acima, ou no ícone do livro.
A leitura de arquivos PDF só é possível com o
programa
Adobe Reader (gratuito), ou outro compatível.
Se você não o tem, clique no nome do produto para baixá-lo.
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MAIS IZACYL FERREIRA
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- poesia.net 305
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LANÇAMENTO
• Humberto Werneck
O Santo Sujo – A Vida de Jayme Ovalle
O jornalista mineiro Humberto Werneck lança em São Paulo a biografia do
compositor Jayme Ovalle, personagem riquíssimo da vida carioca na primeira
metade do século XX e amigo de gente como os poetas Manuel Bandeira, Vinicius de
Moraes e Augusto Frederico Schmidt.
Data: 13/8, quarta-feira
Hora: A partir das 19h30
Local: Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
Vila Madalena
Tel. (11) 3814-5811
São Paulo – SP
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Todas as cidades do mundo
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Izacyl Guimarães Ferreira |
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DISCURSO URBANO
(trechos)
1
Olhado de uma nave espacial, eis o planeta como tela
abstrata
ou escultura móvel a girar: manchas de cor na passagem solar, na
espessa noite as luminosidades
das vidas agrupadas em galáxias. Somos as manchas e luzes, teatros
de uma aventura sem roteiro claro,
de medo e fé, de sonhos e trabalhos, que podem ser um grito ou ser um
salmo.
Muralhas bizantinas de Constantinopla,
atual Istambul, Turquia.
6
Toda
cidade é feita com palavras:
seus nomes, sons que são totalidades. Ouvi-los ou dizê-los são mensagens
colando-se à lembrança, são cristais do reconhecimento. Saltam claras
ou sombrias na mente ao evocá-las: Constantinopla, Nínive, Cartago.
Granada, Gênova, Berlim, Chicago.
As meras sílabas, pronunciadas, modelam estruturas virtuais.
8
Em todos nós há um sonho de cidade. E preciso encontrá-la
e desvendá-la. Construí-la, talvez, bem planejada. Se Lúcio Costa a riscou
para Oscar, já cresce do projeto o seu sinal e a cruz da ocupação enche o
cerrado. Assim Brasília e no verso Pasárgada. O sonho que foi mito é
realidade. O sopro do poema é só metáfora. Em que papel ou chão há mais
verdade?
9
Cidadão. Morador. Enraizado neste chão onde
medram plantas ávidas.
Junto às sobras da mata original, variáveis texturas nos quadrados
em que a vida se ordena antiga e rara.
Multidão, sou de uma espécie animal entre contornos artificiais.
Bicho urbano, circulo pela jaula
aberta da metrópole, arável território das plantas do provável.
29
Vi Cartagena, a bela, a ocidental das índias
caribenhas dos piratas, pensando uma Ouro Preto à beira d'água. Vi Havana,
a marinheira, rasgada de ferrugem e sal politizados. E a Barcelona de
Gaudí, linguagem da cor na arquitetura em liberdade. Em todas elas me
senti local, cativo de seu céu aberto e largo, um céu que as faz maiores
que os traçados.
Rio de Janeiro, Brasil
31
Se tantas vezes foi
por mim lembrada,
para a que é minha já me falta a fala, embora a tenha inteira no sotaque
— aquela entre oceano e Guanabara, onde do prazo já cumpri metade.
Melhor voltarmos ao Bandeira, ao Carlos,
ao Tom, Noel, Vinicius de Moraes, ler Cecília na Crônica Trovada,
Rio de um santo e um fundador flechados.
Rio verbete meu e meu comparsa.
32
Numa cidade
tudo é transitar. De um lado a outro, por cima e por baixo, entre sinais,
nos ares e nas águas, entre malhas de horários. Circular, faz-se a vida
uma renda de chegar e retornar, um tecer o bordado de uniformes e bailes,
de mortalhas, as mãos cortando o infinito baralho da roda da fortuna, num
girar que é o próprio jogo e o preço da passagem.
34
São seu avesso, são os quase bairros, pardas
cidades que não são: esquálidas
favelas da fala de Drummond, fala universal de arquiteturas trágicas.
São dolorosas danças num cenário à mostra mas oculto em suas armas.
Sob as linhas das letras musicais
há uma verdade maior, a das máscaras noturnas e sem cor, que nunca saem
nas fantasias de seus carnavais.
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