Bandeira e Drummond:
montagem de retratos pintados por Candido Portinari
Caros amigos,
Este boletim é dedicado a uma categoria geralmente
considerada menor — os poemas de circunstância. Trata-se daqueles versos que o
poeta escreve não sob o influxo de uma idéia lírico-amorosa, épica ou
filosófica, mas tendo por motivação um fato trivial: o aniversário de um amigo,
uma dedicatória, um acontecimento qualquer ao qual não se atribui grande
eletricidade poética.
Em certo sentido, o poema de circunstância é primo da crônica, em especial
quando os dois se dedicam ao registro de pequenos fatos e se erguem,
despretensiosos, com base em coisas desimportantes. Uma diferença que me ocorre
nessa literatura de varejo é que a crônica, em geral, se escreve com o objetivo
de publicação. O poema, ao contrário, é algo que pretende ficar entre o poeta e
outra pessoa — por exemplo, o destinatário de uma dedicatória — ou, no máximo,
restrito a um pequeno grupo ao qual o texto, quase sempre jocoso, diz respeito.
Dois de nossos maiores nomes do modernismo,
Manuel Bandeira (1886-1968) e
Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987), foram useiros e vezeiros dessas pequenas
composições em verso. Bandeira chegou a escrever um livro somente com poemas
desse naipe — o
Mafuá do Malungo, de 1954. Substancial parcela dos textos desse volume tem
títulos com o nome da pessoa homenageada. O autor os chamou de "jogos
onomásticos". São mimos, saudações e louvações — enfim, variadas formas de
celebrar a convivência e a amizade. Nesses jogos, com muita graça, ele incluiu
até o próprio nome.
Embora socialmente mais retraído, Drummond foi aplicado aluno de Bandeira nesse
quesito. Também o poeta itabirano reuniu seus breves cantares d’amigos nos
volumes Viola de Bolso (1952) e Viola de Bolso Novamente Encordoada
(1955). O poeta se diverte rimando para os amigos e, como era de seu feitio,
também dedicando a si mesmo seu velho sorriso zombeteiro.
Selecionei aqui uma série desses poemetos de Bandeira e Drummond. Os do mestre
pernambucano foram extraídos de Estrela da Vida Inteira, que reúne toda a
sua obra poética. Os textos de circunstância do mineiro vieram de sua
Poesia Completa, com uma exceção: o poema dedicado à poeta
Hilda Hilst
(1930-2004)
é inédito em livro. Foi revelado pela própria homenageada após
a morte do autor.
Alguns esclarecimentos. No poema "Susana de Melo Morais",
Bandeira celebra o nascimento da cineasta Susana de Moraes (1940-255), primeira
filha de Vinícius. (Bandeira grafa Morais com i, embora Vinicius o escreva com
e.)
Na quadra "Antologia Poética", Drummond faz blague com o fato de coexistirem na
livraria sua obra completa e sua antologia poética. O poema seguinte é a
dedicatória escrita pelo poeta no exemplar de Claro Enigma (1951)
ofertado ao amigo e também poeta mineiro
Emílio Moura (1902-1971). Agora, aqui entre nós, chamar o Claro Enigma
de "livrinho falho"...
Uma última observação. Se os autores desses poemas não fossem
os monstros sagrados que são, é bem provável que esses versos estivessem
perdidos. Afinal, são textos que só o renome dos autores fez chegar ao prelo.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
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EVENTO
• Bienal de Poesia
Brasília, 3 a 7/9/2008
A Biblioteca Nacional de Brasília e
vários parceiros promovem, de hoje a domingo, na capital federal, a I Bienal
Internacional de Poesia de Brasília (I BIP). O evento soma-se à 27ª Feira do
Livro de Brasília e ao Festival Internacional de Teatro de Brasília. A Bienal
contará com a presença de poetas nacionais e estrangeiros e terá eventos em
vários pontos da cidade. Para ter os detalhes da programação, confira na
internet:
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Site da Bienal
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Blog com
notícias do evento
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LANÇAMENTO
• Gilberto Nable
O Mago sem Pombos
O
médico e poeta mineiro
Gilberto Nable lança em Belo Horizonte, na próxima semana, sua nova
coletânea de poemas, O Mago sem Pombos. O livro sai pela Editora
7Letras, do Rio de Janeiro, que também publicou o trabalho anterior de
Nable,
Percurso da Ausência (2006).
Data: 12/9, sexta-feira
Hora: A partir das 19h00
Local: Café Livraria Alexandrina
Rua Pernambuco, 797
–
Savassi
Tel. (31) 3261-2633
Belo Horizonte – MG
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Poemas de circunstância
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Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade |
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l Bandeira
SUSANA DE MELO MORAIS
Susana nasceu
Na segunda-feira.
E eu, que sou Bandeira,
Embandeirei eu
Esta Lapa inteira:
Sus, Ana!
Não foi brincadeira:
Muito a mãe sofreu.
Gritava a enfermeira:
Sus, Ana!
O pai escolheu
Um nome que cheira
À terra fagueira
Do senhor do céu.
É a glória primeira:
Sus, Ana!
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
O sentimento do mundo
É amargo, ó meu poeta irmão!
Se eu me chamasse Raimundo!...
Não, não era solução.
Para dizer a verdade,
O nome que invejo a fundo
É Carlos Drummond de Andrade.
SOLANGE
Para que não falem as más
Línguas, declaro aqui, Solange:
Não sou como os velhos gagás;
De Solange quero só l’ange.
MANUEL BANDEIRA
Manuel Bandeira
(Sousa Bandeira.
O nome inteiro
Tinha Carneiro.)
Eu me interrogo:
— Manuel Bandeira,
Quanta besteira!
Olha uma cousa:
Por que não ousa
Assinar logo
Manuel de Souza?
l Drummond
A HILDA HILST
Abro a "Folha da Manhã".
Por entre espécies grã-finas,
emerge de musselinas
Hilda, estrela Aldebarã.
Tanto vestido assinado
cobre e recobre de vez
sua preclara nudez!
Me sinto mui perturbado.
Hilda girando em boates,
Hilda fazendo chacrinha,
Hilda dos outros, não minha...
(Coração que tanto bates!)
Mas chega o Natal e chama
à ordem Hilda: não vês
que nesses teus giroflês
esqueces quem tanto te ama?
Então Hilda, que é sabi(l)da,
usa sua arma secreta:
um beijo em Morse ao poeta.
Mas não me tapeias, Hilda.
Esclareçamos o assunto:
Nada de beijo postal.
No Distrito Federal,
o beijo é na boca — e junto.
Rio, 31.XII.52
ANTOLOGIA POÉTICA
— Não vai levar a Obra Completa?
diz o livreiro, em tom maior.
— Não. Levarei a Antologia,
por ser dos males o menor.
A EMÍLIO MOURA
Caro compadre Emílio,
se não lhe der trabalho,
guarde em seu domicílio
este livrinho falho.
De seu lugar na estante
(longe, a vida confusa),
como estará radiante
vendo, no espelho, a musa!
SAGARANA
Que mão sutil, quase divina,
de artista chim, em porcelana
da era dos Mings — fabulosa —
fora capaz dessa tão fina
maravilha de Sagarana?
Só mesmo tu, Guimarães Rosa.
SIGNOS
Ontem, hoje, amanhã: a vida inteira,
teu nome é para nós, Manuel, bandeira.
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