Amigas e amigos,
Esta edição do boletim é dedicada à autora paulista Eunice Arruda (1939-2017), cuja poesia foi reunida
este ano no livro Visível ao Destino
- Obra Completa e Inéditos, organizado por André Arruda M. César, filho da autora, e publicado pela Editora Patuá. Nesse volume
de 684 páginas estão enfeixadas 16 coletâneas da poeta.
A característica que mais salta aos olhos na poesia de Eunice Arruda é a concisão. Seus versos são quase sempre curtos e integram poemas que
raramente chegam ao fim da página. Na opinião da poeta e ensaísta Beatriz H. Ramos Amaral, expressa no prefácio de Visível ao Destino,
Eunice “escolheu a condensação e as desconcertantes elipses sintáticas para abrigar seu ato poético”. De fato,
este é um dos traços da poesia de Eunice.
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Para esta edição, escolhi um punhado de poemas que, na minha opinião, dão alguma notícia da poesia de Eunice Arruda. Os dois primeiros —
“Propósito” e “Acidente” — vêm do livro É Tempo de Noite, de 1960. Desde seus passos
iniciais, a poeta já cultivava força
e estoicismo diante da poesia e da vida. “Viver pouco mas / viver muito”, define ela em “Propósito”. E essa ideia se reafirma, depois, com a consigna:
“Nunca morrer / enquanto viver”. Em “Acidente”, ela explora o contraste entre um pequeno fato desagradável e o fingimento em torno dele,
que aparentemente o anula.
Os dois poemas seguintes — “Outra Dúvida” e “Circunstância” — apareceram originalmente do livro O Chão Batido, de 1963. Neles,
as breves palavras convidam à reflexão. Por que o amor pode ser confundido com um pedido de socorro?
Qual desencanto tão profundo leva
o sujeito lírico a pensar (sem querer, quase escrevo “penar”) que os outros estão a rir dele e a chorar por ele?
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Nos poemas de Eunice Arruda nunca se encontra uma cena edulcorada, uma história que termina em conforto e idílio. Nada disso:
ali
reinam a inquietação, o pé-atrás, a desconfiança em relação ao que virá. Um resumo marcante desse espírito é dado pelo curtíssimo
“Sem Saída”: “A porta da / vida / não tem chave // Se tem / não abre”.
Em “Erro”, reafirma-se o sentimento de que pisamos em terreno inadequado, indigno de confiança: “Edifiquei minha / casa sobre a /
areia”. Em “Aspecto” a autora monta uma falsa tautologia: “A maturidade / chega // com a maturidade”. São poemas rasos à primeira
vista e bastante irônicos — às vezes, sarcásticos — quando considerados em sua verdadeira dimensão.
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Os epigramas “Observando”, I e II, são outros exemplos da lâmina afiada com que Eunice Arruda trabalha sua poesia. No
boletim n. 406, incluí “Observando I”
como um “poema de tirar o fôlego”. Lá escrevi: “Com duas frases muito breves, a poeta faz uma confirmação taciturna.
Nos três primeiros versos, afirma que existem as tréguas (referindo-se, com certeza, aos embates da vida). Até aqui,
uma afirmação positiva e confiante. Mas na última estrofe vem a verdade: a suspensão das hostilidades só persiste
enquanto se afiam as facas”.
Em “Observando II”, predomina o mesmo tom taciturno, que combina ironia com inquietação. O clima sombrio avança para o
texto
“Ruindo”, no qual a infelicidade compõe as pilastras de uma casa que está desabando. Todos os poemas citados acima, desde
“Sem Saída”, foram publicados originalmente no livro Os Momentos, de 1981.
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O texto “As Poetisas” é o mais longo da miniantologia ao lado. Aqui, Eunice Arruda fala das poetas — que “dão poemas / filhos / sombra /
e outras possibilidades de abrir / clareiras na floresta”. Mas os homens devem saber,
informa, que elas não podem ser confundidas
com “mulher”. Este poema vem do livro À Beira, de 1999.
No poema “Início”, a desconfiança se mantém em guarda: “Em cada encontro / há um / adeus”. Já em “Pergunta” surge, mais uma vez, uma
indagação de aparência redundante mas que conduz à reflexão. Por fim, em “Finados”, a filha visita o túmulo da mãe. A síntese
é extrema. Embora retrate um momento de forte emoção, as palavras (como sempre, mínimas) são secas e não aparentam carregar qualquer
sentimento. Tudo mentira. O poeta é um fingidor.
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Paulista de Santa Rita do Passa Quatro, Eunice Carvalho de Arruda fez o curso de Serviço Social na PUC-SP, onde também pós-graduou-se
em Comunicação e Semiótica. Ativista da poesia, participou do movimento Poetas na Praça nos anos 1970 e foi diretora da União Brasileira
de Escritores. A autora participou de numerosas antologias, no Brasil e no exterior, coordenou projetos de divulgação poética e organizou
oficinas literárias. O trabalho de Eunice já apareceu aqui no
poesia.net n. 172.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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LANÇAMENTO
A Natureza Íntima da Água
• Carlos Augusto Pereira
Carlos Augusto Pereira lança a coletânea de poemas A Natureza Íntima da Água, livro que sai pela Haikai Editora, de São Paulo.
Quando:
Sábado, 30/11/2019,
das 13h às 17h
Onde:
Biblioteca Pública Viriato Correa
Rua Sena Madureira, 298
Metrô Vila Mariana
São Paulo, SP
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