Amigas e amigos,
O poeta mineiro Ricardo Aleixo (Belo Horizonte, 1960) já esteve aqui nesta página nas edições
n. 364, de 2016,
e n. 108, de 2005.
Ele retorna agora, trazido pelo livro Pesado Demais para a Ventania, antologia lançada
em 2018 pela editora Todavia.
Alguns poemas constantes nessa antologia já apareceram aqui nas edições citadas
acima, extraídas dos livros originais. Agora, a escolha da pequena
amostra de textos ao lado foi feita conforme um critério especial. Selecionei sete poemas nos quais aparecem pessoas e entidades destacadas
por Ricardo Aleixo.
O primeiro poema, “Nanã”, é um oriki, uma saudação ou louvação a esse orixá feminino,
Nanã Buruquê, associado às águas paradas, pântanos e terras úmidas.
Conforme a lenda, Nanã retirou uma porção de barro do fundo do lago onde morava, material com o qual foi feito o homem. No texto, Ricardo Aleixo
faz referências a essas propriedades de Nanã, a “avó do universo”, a “mãe do segredo / do mundo”, e também cita, mais de uma vez, as matérias primordiais “água” e “lama”.
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O poema seguinte, “Homens”, homenageia quatro pessoas deste mundo. Quatro brasileiros. Primeiro, o artista plástico cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957-1993). Depois,
o também artista sergipano Arthur Bispo do Rosário Paes (1909 ou 1911-1989); o cangaceiro pernambucano Lampião (Virgulino Ferreira
da Silva, 1898-1938); e, por fim, o marinheiro gaúcho João Cândido Felisberto (1880-1969), o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata,
em 1910. O ponto comum entre os quatro constitui a pedra angular do poema: apesar das origens e destinos bem diferentes, todos eles bordavam.
Um detalhe: “João Cândido / punha a República / no curé”. O que é isso? Não adianta recorrer aos dicionários tradicionais. “Estar no curé” é
expressão do norte de Minas, pertencente ao linguajar “baianeiro”. Significa ficar sem saída. Foi o que os marinheiros revoltosos fizeram com a
república, que teimava em aplicar no dorso deles as mesmas torturas antes infligidas aos negros escravizados.
A propósito, se vocês tiverem curiosidade, leiam o artigo “Os bordados de João Cândido”, do historiador José Murilo de Carvalho, publicado na
revista Manguinhos em outubro de 1995 e disponível aqui.
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No poema “Álbum de Família”, os personagens em ação são a linhagem patriarcal do próprio poeta: pai, avô, bisavô. Já em “Rainha Onça” o palco se
abre para que entre em cena a cantora Elza Soares. “Canto / sem pedir / licença”, diz ela no texto, onça “desde nascença”.
O próximo poema, “Música Mesmo”, homenageia outro expoente da música popular: Milton Nascimento. Para o poeta, apenas com o som que sai da boca do
cantor e compositor carioca-mineiro, “ele toca / o oco / da vida / por dentro”. Mas o elogio não para aí: da terra até o céu, a voz sublime do
cantautor de “Maria Maria” age como se, drummondianamente, “‘palmilhasse / vagamente’ / as estradas / deste mundo”.
Em “Cantiga de Caminho”, continuamos no campo musical. Aleixo conta que escreveu esse poema depois de ler uma entrevista da cantora paulistana
Virgínia Rosa, na qual ela dizia “ser filha de pais mineiros”. O texto, depois, foi musicado pelo violeiro, compositor e cantor mineiro Chico Lobo
e gravado por ele mesmo, com a participação de Virgínia Rosa, no disco Caipira no Mundo (2011). Você pode ouvir a canção aqui,
no YouTube.
Vem, por último, o poema “Teofagia”. Neste, a pessoa em foco é o próprio Ricardo Aleixo, criança, todo paramentado para a primeira comunhão.
O poema parece construído a partir de uma foto registrada na igreja.
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É fácil perceber que o poeta Ricardo Aleixo constrói seus poemas sempre com alicerces reconhecíveis. Enquanto eu escrevia este texto, fiz uma
busca na internet e encontrei um artigo assinado por Carlos Francisco Moraes e publicado na Revista do SELL, o Simpósio de Estudos
Linguísticos e Literários da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, UFTM, em Uberaba-MG.
Percebi que o articulista diz exatamente o que eu pretendia dizer para concluir o texto deste boletim: “Em larga medida, a poesia de Ricardo
Aleixo se faz de lugares e de pessoas. Seus poemas, invariavelmente, citam nomes, cidades do Brasil e do estrangeiro, bairros de Belo Horizonte,
paisagens, modos de viver. Nesse conjunto, avulta, particularmente, todo um abecedário de personagens da história dos negros do Brasil.
Ou de negros que fizeram e fazem a história do Brasil. Acrescidos, é verdade, de outras personagens que ilustram, nos dois sentidos do termo,
a diáspora africana pelo mundo”. [O texto completo encontra-se aqui.]
Sem dúvida, o assentamento da poesia de Aleixo sobre “lugares e pessoas”, como
salienta Carlos Francisco Moraes, é exatamente o que me levou a
selecionar os poemas ao lado. Em certo sentido, percebo agora, esses mesmos traços caracterizam os poemas apresentados no boletim n. 364,
quase cinco anos atrás.
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Poeta, artista gráfico, músico, cantor, performer e editor, Ricardo Aleixo nasceu em Belo Horizonte em 1960. Inquieto,
experimentador, é audidata e estreou em 1992 com o livro Festim. Desenvolve múltiplas atividades como artista que
combina a poesia
com outras formas de expressão, como a música e a dança. Entre seus principais trabalhos de poesia encontram-se os títulos Pesado Demais
para a Ventania (2018); Mundo Palavreado (2013); Modelos Vivos (2010); e Trívio (2002).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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