Amigas e amigos,
Eu já havia preparado um boletim para esta data quando recebi a notícia do falecimento da poeta paulistana Renata Pallottini, ocorrido em 08 de julho.
Decidi, então, reprisar a edição n. 432, de 2019, a última em que a autora apareceu nesta página.
Embora não seja um fato evidente, Renata Pallottini foi uma pessoa muito importante para este boletim. Dei notícia disso no site comemorativo dos 15 anos da
publicação. Além de sugerir novos poetas, ceder material ao boletim (fotos e livros desses poetas), Renata tinha o hábito de comentar cada edição do
poesia.net. Nos comentários, ela vibrava com trechos que julgava criativos dos poetas.
Em 2010, o poesia.net parou de circular
por algum tempo. No retorno da publicação, Renata manifestou-se publicamente, saudando o boletim.
Assim, por todos os seus méritos públicos (conhecidos e celebrados), e também por essas relações pessoais, ligadas a esta página, decidi reeditar este
boletim in memoriam de nossa querida amiga.
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A poeta, dramaturga, tradutora, ensaísta e professora universitária Renata Pallottini (São Paulo, 1931-São
Paulo, 2021) é a autora em destaque nesta
edição. Esta é a terceira vez que ela aparece neste espaço. Vem agora com versos do livro Poesia Não Vende, publicado pela Hucitec
Editora em 2016.
Na quarta capa do livro, a própria autora ensaia uma pequena indicação de seu conteúdo. “Meu livro agora, este Poesia não vende,
tem muita ironia, medo e espanto, saudade e, surpreendentemente, esperança”.
De fato, a ironia — o primeiro item listado — é presença fundamental nesta coletânea de poemas, a começar pelo próprio título. Com ele
a poeta faz troça da consagrada afirmação que reduz a poesia a uma iniciativa de caráter puramente mercantil.
É como se retrucasse: “Muito bem, não vende. E daí?” Afinal, tanto a poeta como nós sabemos que o valor real da poesia está em outro
lugar, talvez nos outros itens citados, como ironia, medo, espanto, saudade e esperança.
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Para este boletim, selecionei sete poemas de Poesia Não Vende. O primeiro deles, “No Rio das Velhas”, confirma o anúncio de
ironia. Aqui, a poeta brinca com o nome do histórico rio mineiro, o maior afluente do São Francisco, conhecido pela sua localização
numa região onde foram encontrados ouro e pedras preciosas.
No poema, o sujeito lírico — mulher que é um óbvio alter ego da autora — diz ter achado no Rio das Velhas uma pedra preciosa.
Mas o objeto, certamente de arestas afiadas, lhe fere as mãos. Assustada, a
inexperiente garimpeira devolve o objeto ao rio. A conclusão é uma
tirada na qual a autora faz um chiste com a própria idade.
No poema seguinte, “O Que Eu Proponho”, o tom passa a ser de afeto e saudade, com uma tranquila declaração de amor, “sem ilusões”.
Em “Sogno 123”, as notas dominantes vêm da solidão e da saudade. Há mesmo um certo ritmo de tango: “Neste quarto que não há /
Canto um tango que não sei / Pra você, que já não está”.
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Vem a seguir “No Oftalmologista”, um epigrama doidamente irônico. [Curiosidade: eu queria escrever doídamente (doloridamente),
mas confesso que não sei como se faz isso. Uns cinquenta anos atrás, usava-se o acento grave: doìdamente.]
Não sei dizer exatamente por quê, mas o poema “A Rua” me traz ecos da velha cantiga de roda “Se esta rua fosse minha”. Nele, a nostalgia
de um tempo que passou é (mal) disfarçada com frases de tom depreciativo. E, no final, diz a poeta, a rua não é mais minha e eu também
não sou mais aquela.
Dá também para lembrar, no mesmo tom melancólico, o romanceiro de
García Lorca: “Mas eu já não sou eu mesmo / nem mais
é minha esta casa”. Os poetas dão-se as mãos na tristeza.
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No poema “Viesse Logo a Noite”, o registro melancólico assume uma nota mais aguda, tendente ao desespero. Aqui, pede-se que venha a noite
completa, um tempo que abolisse as guerras e no qual as pessoas todas se amassem. Ou, pior, uma noite dos silêncios e das feras.
Para fechar a seleção, o poemeto “De Uma Formiga” retoma a inflexão irônica.
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NOTÍCIA DE RENATA PALLOTTINI
Formada em filosofia pela PUC-SP em 1951, Renata Pallottini também concluiu o curso de direito na USP em 1953. Depois, em Paris, começa a
estudar teatro em 1959. De volta a São Paulo, entra na Escola de Arte Dramática da USP e faz os cursos de dramaturgia e crítica.
Inicia sua produção de textos para treatro em 1960, com a peça A Lâmpada. Depois, criou vários outros espetáculos cênicos. Em 1967,
a peça Pedro Pedreiro, com texto dela e música de Chico Buarque, é levada à Colômbia. No ano seguinte, Renata Pallottini traduz o
famoso musical Hair, dos americanos James Rado e Gerome Ragni, com música de Galt MacDermot. O trabalho da autora nessa área estende-se
à televisão, ao cinema e ao ensino universitário.
Em poesia, ela estreou em 1952 com o livro Acalanto, seguido em 1956 por O Monólogo Vivo, primeiro título incluído em sua
Obra Poética, de 1995, que contém 14 livros. Depois disso, ainda na poesia, ela publicou Um Calafrio Diário
(2002) e Poesia Não Vende (2016). Ademais, há livros de memória, biografia, ensaios de dramaturgia e até um romance, Nosotros.
Sobre a Renata poeta, Carlos Drummond de Andrade escreveu os seguintes versos:
“Poesia de Renata:
sob a música exata
há um tremor humano.
O verbo conta mais
do que os jogos verbais:
o mundo refletido.
O tempo, o ser, a morte
o invisivel suporte
do amor por sobre o caos.
Poesia de Renata:
um reflexo de prata
no deserto noturno”.
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Renata Pallottini apareceu aqui em dois outros boletins:
• poesia.net número 330
• poesia.net número 21
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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