Amigas e amigos,
Neste primeiro boletim de 2024, decidi revisitar a obra da Prêmio Nobel polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012).
Ao fazer uma releitura de seu livro Poemas (Cia. das Letras, 2011), fiquei impressionado com “Fim e Começo”,
uma reflexão sobre a guerra. Como, neste momento, dois conflitos (na Ucrânia e na Faixa de Gaza) não saem do noticiário,
entendi que fazia sentido trazer aqui, mais uma vez, a palavra de Wislawa Szymborska. A poeta já foi destaque por aqui
nas edições n. 456;
n. 372;
e n. 265.
•o•
(Uma observação entre parênteses. Com relação aos combates na Ucrânia e na Faixa de Gaza, é certo que ambos estão
num contexto em que há tanques blindados, bombardeios, mortes e destruição material. Contudo, são guerras
de natureza distinta. Na Ucrânia, em última instância, enfrentam-se duas superpotências, os Estados Unidos e a Rússia.
Em Gaza, a refrega na prática se resume a um lado: são forças militares israelenses contra civis palestinos,
notadamente mulheres e crianças. Não há, portanto, como não usar a palavra genocídio.
Em Gaza e na Ucrânia, a melhor saída é o cessar-fogo seguido de negociações. Aí
está a solução menos penosa para a maioria dos palestinos, israelenses, russos,
ucranianos, norte-americanos e as pessoas de boa vontade do mundo inteiro. Paz!)
•o•
Passemos aos poemas. Abro a leitura com “Fim e Começo”, que foi o texto-chave para o retorno de Wislawa Szymborska
ao boletim. No início, a autora descreve o dia a dia do pós-guerra e as dolorosas tarefas de reconstrução e redefinição da vida:
“Depois de cada guerra / alguém tem que fazer a faxina. / Colocar uma certa ordem / que afinal não se faz sozinha”.
Entre as atividades, algumas são extremamente pesadas, não só para o corpo, mas também para o íntimo das pessoas.
É preciso, por exemplo, tirar todo o entulho da estrada “para que possam passar / os carros carregando os corpos”.
E o poema segue. Também é necessário erguer novas casas e recuperar aquelas ainda passíveis de conserto. São
trabalhos inumeráveis de (re)construção e acabamento, durante os quais muitos recordarão momentos do conflito.
Mas, com o tempo, os que têm a guerra na memória vão sendo substituídos por novas gerações, que já nada sabem sobre
os terríveis tempos bélicos. Assim é a vida. Lamentavelmente, os horrores e sofrimentos de um conflito não parecem
servir de ensinamento capaz de evitar no futuro a repetição de tragédias semelhantes.
•o•
Em “Fim e Começo”, a guerra é um acontecimento genérico. Já no próximo poema, o conflito tem nome e endereço:
“Vietnã”. Aqui, a figura central é uma mulher. Pode-se supor que ela seja uma militante empenhada na luta
contra o invasor norte-americano. Mas também é plausível admitir que ela seja apenas uma pessoa do povo assustada
com os rigores da guerra.
Qualquer que seja a hipótese, ela sabe que, no meio das escaramuças, as informações valem ouro. Portanto, a todas
as perguntas, inclusive as que parecem neutras, ela responde da mesma forma: “Não sei”. Não sabe nem mesmo por que
está escondida numa toca escavada na terra. Mas quando perguntam se as crianças que estão ali são seus filhos, ela
imediatamente muda a resposta: “Sim”. Antes de ser pessoa comum ou militante, ela é mãe.
•o•
Passemos agora a “Utopia”, o último poema da seleção e o único não associado à temática bélica. O primeiro verso
oferece uma definição de “Utopia”: “Ilha onde tudo se esclarece”. As linhas seguintes traçam um retrato mais preciso
desse lugar, onde para tudo há respostas, acompanhadas de provas sólidas e irrefutáveis.
E não é só: em Utopia todos entendem as coisas com extrema facilidade e são tomados por um sentimento de certeza.
Há, porém, um único problema nessa ilha maravilhosa: é um lugar deserto, ninguém permanece lá.
Mesmo assim (isto não está no poema), é verdade que a utopia também representa o espaço para o sonho, o lugar ideal
que se pode imaginar para tornar a vida melhor. O território de quem não se acomoda. Então, embora ninguém
permaneça exilado na ilha, com certeza quem retorna de lá pode ajudar a tornar menos sufocante a existência
do lado de cá, no continente.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
•o•
Visite o poesia.net no Facebook e no Instagram.
•o•
Compartilhe o poesia.net
no Facebook, no Twitter
e no WhatsApp
Compartilhe o boletim nas redes Facebook, X (ex-Twitter) e WhatsApp. Basta clicar nos botões acima da foto do poeta.