Amigas e amigos,
A poeta paulista-catarinense Patrícia Claudine Hoffmann (São Paulo-SP, 1975) já é conhecida dos leitores deste boletim. Esteve
aqui nas edições 384 (2017) e
340 (2015) e retorna agora, após o lançamento
de dois novos livros: Oratórios d’Água (2021) e A Sombra Azul do Minotauro (2023), ambos publicados pela Editora Patuá.
Nas coletâneas anteriores de Patrícia Hoffmann, destaquei a persistente busca existencial que marca o trabalho da autora. Assinalei
também as ricas e desnorteantes metáforas encontradas em seus versos. Agora, nos dois livros mais recentes, observo uma sutil mas
importante mudança na criação poética da autora.
Patrícia Hoffmann aproxima-se, cada vez mais, da estética surrealista. Suas metáforas, mais numerosas, criam múltiplas surpresas para
o leitor. Mal se tenta alcançar o sentido de uma frase, logo vem outra ainda mais estonteante.
Aparentemente, não sou o único a fazer essas observações. O volume A Sombra Azul do Minotauro é prefaciado pelo poeta e tradutor
Cláudio Willer (1940-2023), uma das vozes mais representativas do surrealismo no Brasil. Diz Willer, logo no início de seu texto:
“Há imagens poéticas paradoxais, que, para alguns, talvez sejam enigmas”. Mais adiante, o prefaciador considera que a poeta usa seu
“aparente hermetismo” para expressar sua inconformidade com o que há de errado neste mundo.
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Para esta edição, selecionei três poemas de A Sombra Azul do Minotauro e mais dois de Oratórios d’Água. O poema “Onze e Onze”
mostra bem a pujança de metáforas que são a marca da poesia de Patrícia Claudine Hoffmann.
“É sempre a / mesma hora / no relógio da aura, / na ponte dos ponteiros /
mesopotâmicos / das carruagens de guerra, / e rangem no bronze coagulado / de cinza”. Como se vê, o leitor trafega, extasiado — e perigosamente —,
de um relógio impreciso para uma ponte encravada no fundo da História, entre móbiles de guerra e metais cinzentos. Extenuante viagem, apenas
na primeira estrofe. E não se pense que no final haverá trégua, e tudo se descortinará num espelho claro. Os últimos
versos não autorizam essa risonha expectativa. Neles, eu poético avisa: “Estou na metade / do aço. // Em suaves desespelhos”.
O próximo poema, “Movimentos do Infinito em Pina Bausch”, é uma homenagem à dançarina e diretora de balé alemã Pina Bausch (1940-2009).
Selecionei este poema (e também os dois seguintes) com a intenção de oferecer ao leitor, já de saída, um ponto concreto de referência.
“Palavra, corpo da alma. / Escolta. Desenho no ar. / A vapor. Amor. / Respiradouro do poema.” Neste trecho, podemos, sem ânsia, ancorar
as ideias nos movimentos do corpo e na dança de Pina Bausch.
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O próximo poema é “Telefonema para Estamira, Além do Além”. Aqui, a homenageada é Estamira Gomes de Sousa (1941-2011), mulher que se
tornou conhecida por meio do documentário Estamira (2005), dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, diretor de
Tropa de Elite. Estamira foi uma senhora que apresentava distúrbios mentais e trabalhava num aterro sanitário no Rio de Janeiro.
Tinha um discurso filosófico, no qual entremeava lucidez e loucura.
No poema, a pessoa que telefona a Estamira declara: “Tenho que cuidar de ti / através de mim, agora, / na linhagem”. Essa aproximação
e esse cuidado é que autorizam a estranha sintaxe na última quadra do poema: “Tu me acenas do cometa, / e eu daqui, do aquário terreno, /
te mantenho-me de poesia, / nosso elo secreto”. Observem bem: “te mantenho-me de poesia, / nosso elo secreto”.
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Os dois últimos poemas desta miniantologia vêm do livro Oratórios d’Água. Os dois têm em comum um traço diferente: o título,
na verdade, corresponde ao primeiro verso. Conforme observei no início deste comentário, nesse livro (e nestes dois poemas) já se
percebe o aprofundamento das imagens surrealistas.
Em “Metáfora e Cânfora”, destaca-se a singularidade dos ritmos obtidos com palavras esdrúxulas, a começar por aquelas do título.
“Metáfora e cânfora”, “cânticos vulcânicos”, “cálculo do pânico”.
No último poema, “Dos labirintos”, o clima é também de estranheza. “Dos labirintos / salvarei somente a pedra / marinha /que for indecisa de
eternidade”. No final, o eu poético admite que está “em busca da palavra leve, /
lavada por dentro do que, voltando, / já nos devolve o que nos deve / de ir emboras”.
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Nascida em São Paulo-SP em 1975, a poeta Patrícia Claudine Hoffmann transferiu-se para Santa Catarina desde os seis anos
de idade. Formada em letras, trabalha como professora de língua portuguesa.
A poeta estreou com a coletânea Água Confessa, em 2001. Entre seus livros encontram-se A Sombra Azul do Minotauro
(Patuá, 2023); Oratórios d'Água (Patuá, 2021); Feito Vértebras de Colibris (2017, Marianas); Matadouro Imperfeito
(2016, Letradágua); e Sete Silêncios (2004).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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