Amigas e amigos,
MAIS UMA VEZ, UM PEDIDO
Decidi, aqui, repetir um apelo que fiz a vocês no poesia.net
n. 350.
Agora, na edição 520, mais de 7 anos e exatas 170 edições depois, algumas mudanças justificam essa
repetição. Na época, tínhamos cerca de 4 mil assinantes (pessoas que recebem
o boletim por e-mail). Hoje esse número caiu para 2818 — registro da presente edição.
Como veem, os leitores do boletim estão minguando. Sei, mais ou menos, os motivos disso. De um lado, o próprio e-mail
perdeu espaço como recurso de comunicação, diante das redes sociais, do WhatsApp e de outros aplicativos mais ágeis.
Então, muita gente simplesmente abandona suas contas de e-mail. Com frequência, recebo do Yahoo, UOL, Terra, Hotmail e
Gmail a informação de que a conta do assinante foi extinta por falta de uso.
De outro lado, a cada edição recebo também alguns pedidos de cancelamento da assinatura, feitos pelos próprios assinantes.
Além disso, é pequena a quantidade de novos inscritos. Assim, os que chegam nem de longe compensam os que saem.
Em resumo, o contingente de leitores que recebem o boletim por e-mail vem sofrendo permanente redução.
Talvez parte das pessoas que saem continue a ler o poesia.net no site, a partir das chamadas feitas no Facebook
e no Instagram. Trata-se de uma hipótese que faz sentido, mas não tenho elementos que me permitam afirmar a
existência desses leitores, nem quantos são.
Dado o contexto, passo ao pedido. Em minha visão, poesia não é algo que se deva forçar alguém a ler. Creio que uma publicação
como o poesia.net só interessa a quem nutre algum apreço pela palavra poética. Então, a intenção do pedido não é
engordar a circulação do poesia.net nem, muito menos, conquistar artificialmente um leitorado que não está nem
aí para a poesia. O boletim não tem anunciantes nem patrocinadores. Por isso, nesse aspecto, tanto faz se ele conta apenas
com os atuais assinantes ou se passa a ser lido por um contingente dez ou cem vezes maior.
Contudo, se um trabalho está sendo feito — e está disponível gratuitamente —, é razoável propor a quem o aprova que também
o divulgue. Isso, aliás, já é feito por muitos leitores. Depois, há sempre alguém que talvez aprecie o boletim, porém
não tem sequer notícia da existência dele.
Portanto, caras amigas e caros amigos da poesia, aqui vai meu apelo: divulguem o poesia.net !
•o•
Curiosamente, recebi há poucas semanas dois livros de poemas contendo apenas haicais. isso não é comum. Li os dois volumes e
decidi montar um boletim. Portanto, você vai encontrar aqui poemetos da goiana Angélica Torres Lima, extraídos da
coletânea Diminutos - haicai à brasileira (7Letras, 2023), publicada com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do
Distrito Federal. Os outros poemas vêm do livro Haicais, do baiano Uaçaí de Magalhães Lopes (editora Mondrongo,
2023), no qual o autor reúne sua produção haicaística de 1986 a 2023.
Antes de passar à leitura, considero de bom-tom relembrar a origem do haicai (ou, se quiserem, haikai). Trata-se de um gênero
poético de forma fixa criado no Japão. É um poema curtíssimo, de apenas três versos: os primeiro e o terceiro
são redondilhas menores (versos de cinco sílabas); e o segundo, uma redondilha maior (verso de sete sílabas).
Na tradição japonesa, o haicai constitui um poemeto lírico, em geral ligado à observação da natureza. É comum encontrar haicais
de primavera, haicais de verão etc. Esse gênero poético chegou à Europa no século XIX e aportou no Brasil somente no século XX,
pelas mãos de poetas modernistas. Um pioneiro entre nós foi o paulista
Guilherme de Almeida (1890-1969), que não
apenas adotou o haicai como criou para ele traços bem brasileiros.
Originalmente, o haicai não tem rimas nem título. Guilherme de Almeida engendrou um formato no qual o primeiro e o terceiro
versos rimam entre si, enquanto o segundo verso contém duas rimas intenas, que ocorrem na segunda e na sétima sílabas. Exemplo:
“Na cidade, a lua:/ a joia branca que boia/ na lama da rua”. Além das rimas, Almeida deu título a todos os seus haicais. Este se chama “Noturno”.
Com o passar do tempo, o haicai foi conquistando outros poetas brasileiros, entre os quais destacam-se nomes como Pedro Xisto
(1901-1987), Millôr Fernandes (1923-2012), Paulo Leminski (1944-1989) e Alice Ruiz (1946-). Naturalmente, nem todos seguiram ou seguem
a forma proposta por Guilherme de Almeida, nem tampouco mantêm o esquema métrico tradicional japonês.
•o•
Passemos à leitura. De cada um dos poetas enfocados aqui selecionei oito haicais. Comecemos com os poemetos do livro
Diminutos, de Angélica Torres Lima. A poeta goiana mantém o padrão de três versos curtos,
mas não respeita a métrica das 5-7-5 sílabas.
Nos oito textos selecionados, o estilo é bem nipônico, pois apresentam observações da natureza. Exemplo: “escultura natural:/
garça em pose/ sobre o museu nacional”. A exceção fica com o último haicai, “tomara que caia” (como não há título, refiro-me
ao poema pelo primeiro verso). Neste, a poeta faz uma bem-humorada brincadeira metalinguística com a saia de alguma mulher.
No penúltimo haicai da seleção, “o que mais te apraz [?]”, Angélica Lima também se desvia um pouco da descrição de um evento
natural e endereça uma pergunta ao leitor. Mas, curiosamente, a indagação envolve, mais uma vez, aspectos da natureza:
“o que mais te apraz:/ pedra que voa?/ nuvem que cai?”.
•o•
Vêm, agora, os oito haicais do poeta baiano Uaçaí de Magalhães Lopes.
Você notará, desde logo, que o haicaísta baiano
segue o padrão métrico japonês (5-7-5 sílabas) e também o esquema de rimas proposto por Guilherme de Almeida, com eventuais
alterações. Em alguns casos, a rima nas sílabas 2 e 7 do segundo verso, desloca-se para as posições 3-7 ou 1-7.
Um traço bem peculiar nos haicais de Uaçaí Lopes é a temática baiana. Além de escrever haicais citando lugares de sua terra
(Itapuã, Itaparica, Ipitanga), ele investe na ironia. É o caso, por exemplo, do poemeto “Teu nome na areia”. Aqui, a eternidade do
amor é bem curta: dura somente enquanto a maré se mantém baixa e os nomes dos apaixonados permanecem escritos na areia.
Outro haicai interessante é “Praia de Ipitanga”. Uma banhista de tanga é tratada pelo eu poético como “abrolhos para meus olhos”.
No Aurélio, “abrolhos” são rochedos à flor d’água, sinônimos de obstáculos perigosos
para os navegantes. O dicionário ensina ainda que
“abrolho” vem do latim aperit oculos, ou seja, “abre os olhos”.
Mas o poeta também faz o haicai se despedir de Tom Jobim (suponho que o texto “Foi-se Tom Jobim” tenha sido escrito por ocasião
da morte do autor de “Águas de março”, em 1994) ou mesmo, em diapasão bem baiano, comemorar o dia 2 de fevereiro (festa de Iemanjá) com o
terceto “Ah! quanto veleiro!”.
•o•
Os dois poetas destacados nesta edição já apareceram antes no poesia.net.
Angélica Torres Lima (Ipameri-GO, 1952) esteve nos boletins
n. 348 e
n. 257. É jornalista da área cultural e
autora de livros de poemas como O Nome Nômade (7Letras, 2015); O Poema Quer Ser Útil (LGE, 2006); e Paleolírica
(Alô Comunicação, 1999).
Uaçaí de Magalhães Lopes (Feira de Santana-BA, 1957) já esteve aqui na edição
n. 383. É poeta, professor, consultor e
auditor de projetos sociais. Publicou, entre outros, os livros de poesia
Forma e Fraga (Mondrongo, 2020); A Flor e a Fraga (Mondrongo, 2017); e O Voo do Assanhaço (Açaí, 2004).
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado