Adair Carvalhais Júnior
Caros,
Poeta, professor de história na UFMG e fotógrafo amador, Adair Carvalhais Júnior
é mineiro de Governador Valadares, onde nasceu em 1961. Escritor prolífico, ele
mantém (ou manteve em sequência) três blogs de poesia, mais um de fotos, e ainda
participa de outro, meio difícil de definir, que envolve cultura, política,
ecologia e afins.
Especificamente no campo
da poesia, Carvalhais publicou duas coletâneas em papel: Roteiros para um
Final de Era, em 1998; e Desencontrados Ventos, em 2003. Além disso,
aproveita bastante os meios digitais. Seu e-book
Todo Poema é um Risco
Lançado Sobre o Nada foi franqueado para download em 2011. E há ainda
projetos com arcabouço de livro, como a série de poemas do blog Biografia.
Do contato que travei
com os textos poéticos do escritor valadarense, ficou-me a sensação de que
Carvalhais cultiva uma discreta nostalgia das coisas vistas e vividas no
interior mineiro. Não aquela nostalgia lacrimosa, mas uma referência que afinal
constitui um patrimônio exclusivamente seu ― a memória.
Não é por acaso que os
dois maiores memorialistas da literatura brasileira ― Pedro Nava, na prosa, e
Carlos Drummond de Andrade, na poesia ― são ambos filhos do solo mineiro. Talvez
a existência em Minas Gerais, por algum motivo, se preste mais ao cultivo das
reminiscências: “a lonjura das estradas / poeirentas um mundo / de ausências”.
Um exemplo explícito de
memória poética é a série de 38 poemas reunida no blog
Biografia.
Nela, Adair Carvalhais passa em revista suas lembranças de infância, fala do pai, da mãe, das mudanças da família.
"sou da beira // rio das
águas que mais de uma / vez solaparam as / margens da / noite" (Rio).
Outra vertente dos
poemas de Carvalhais ― que também se revela no olhar do fotógrafo ― é a
observação de coisas miúdas. As flores no galho que compõem um desenho especial,
o casario simpático pintado de cores alegres e contrastantes, a tarde barroca
"sitiada pelos sinos".
Um terceiro eixo de
referência identificável no trabalho desse poeta-fotógrafo é o lirismo amoroso,
às vezes salpicado de leves tintas eróticas:
"o silêncio vibra nas /
fontes do teu corpo sob / as dobras da tua / pele" (Nu).
Mesclada a todos esses traços, nota-se ainda na poesia de Adair Carvalhais Júnior
a presença reiterada de referências a rios e estradas, como se o poeta
enxergasse a própria existência como um incessante percurso. E é como se tudo
também guardasse alguma memória: "o curso do rio risca / a memória das areias".
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Um detalhe: todas as fotos ao lado são também da autoria de Adair Carvalhais
Júnior.
Um abraço, e até a próxima.
Carlos Machado
•o•
LANÇAMENTO
Ronaldo Costa
Fernandes
• Memória
dos Porcos
Na
próxima terça-feira, para quem estiver em Brasília: lançamento de Memória dos
Porcos, do poeta Ronaldo Costa Fernandes, já destacado em duas edições deste
boletim, n.
126 e
n.
263. O livro sai pela Editora 7Letras.
Data: 22/5, terça-feira
Hora: a partir das 19h00
Local: Restaurante Carpe Diem
SCLS 104 Bloco D loja 1
tel. (61) 3325-5301
Brasília - DF
•o•
VERA LÚCIA DE OLIVEIRA, EM ITALIANO, PARA FRANCESES
Na próxima terça-feira, 22/5, em Paris, ocorrerá o encontro "Littérature et
Poesie Migrante", promovido pelo Institut Culturel Italien. O
evento destacará duas poetas sul-americanas que vivem na Itália e adotaram o
italiano como língua de expressão artística. São elas Vera Lúcia de Oliveira, do
Brasil, e Francisca Paz Rojas, chilena.
Para nós é uma alegria dar esta notícia. Vera Lúcia de Oliveira já participou
várias vezes deste boletim, como poeta (edições
n.
40 e
n.
235) e também como tradutora (Drummond:
100 Anos
n. 21 e poesia.net
n. 187). Paulista de Cândido Mota, Vera escreve com igual destreza em
italiano e em português. Tanto que já conquistou diversos prêmios literários na
Itália, em italiano. O evento na França da próxima semana destaca exatamente
isso: sua capacidade de escrever no idioma de Dante como se fosse sua lingua
mater.
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Memória das areias
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Adair Carvalhais Júnior
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DIAMANTINO
o curso do rio risca
a memória das areias
quentes sob o clarão
lunar
casinhas brancas e azuis
reverenciam mudas o vasto
horizonte
de pedra
donde desabam águas
nas ladeiras altivas
na varanda tímida seu
sarafim rememora histórias
trançadas em ouro e coco
da bahia
NU
a poeira se esgueira
no pôr do sol por trás
da lua
minguante
um poema se perde
nas cintilações do dia
a solidão se
enreda na chuva
fina na transparência
da lágrima
o silêncio vibra nas
fontes do teu corpo sob
as dobras da tua
pele
um poema amanhece
nas cintilações dos teus
olhos
BIOGRAFIA XX – ÓRFÃOS
meu pai ensinou as profundidades
dos rios suas altas
margens
minha mãe o nome da
solidão seu cheiro
entranhado no corpo
a lonjura das estradas
poeirentas um mundo
de ausências
as âncoras e os modos
de se entrelaçarem as
mãos ainda
procuro
GERME
entre uma noite e a
seguinte os dias
espreitam as horas
que se cruzam
o sol se cultiva
entre luas
por cima dos morros
no longe dos descampados
multiplicam se
as árvores sob
suas sombras florescem
pássaros
na terra úmida
brotam mundos
entre uma noite
e a seguinte as
horas vigiam os dias
que se enredam
a lua se cultiva
entre sóis
BARROCO
o voo breve dos pequenos
pássaros o escorrer miúdo
da água
a manhã sitiada pelo silêncio
o corpo desprotegido o incessante
fluxo da dor a ardência
na pele
uma tarde sitiada
pelos sinos
LER
todo o alfabeto se
distrai nos meus
dedos quando
descubro no
horizonte matizes
do seu
olhar invento na minha
carne os
versos dos nossos
desvãos
sua pele resplandece
minha
escritura
comprometemos o
corpo
inteiro
SOLIDÃO
um rio que não
se cruza mais
uma aurora
indecifrável
uma noite sem
eco um
horizonte
que se
nega
tardes incontornáveis
ventos sem direção
um poema que
se
repete
BIOGRAFIA XXI - ANGÚSTIA
quando nasci fazia um atordoante
calor e o rio
doce coalhava-se de pássaros
desesperados quando me
casei disseram vai
engordar ficar careca colocar
gravata como todos
senhores respeitáveis
pedro e alice cresceram as
árvores que plantei já
dão sombra mas não
encontro em lugar
algum aquele que
deixei na beira
do rio nem nos meus cabelos
brancos as flores do
limoeiro a correria das
crianças no quintal da
minha
infância
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