Amigas e amigos,
O autor baiano Florisvaldo Mattos já esteve três outras vezes nesta página: nas edições
n. 396 (2018);
n. 281 (2012); e
n. 85 (2004).
Agora ele retorna, graças a um motivo muito especial: acaba de completar 90 anos (em abril).
Nascido em 1932 em Uruçuca (então Água Preta, distrito de Ilhéus), Florisvaldo é poeta, jornalista, ensaísta e professor universitário.
Membro da Academia de Letras da Bahia desde 1995, estreou na poesia em 1965, com o livro Reverdor. A partir daí, publicou várias
coletâneas, entre as quais Poesia Reunida e Inéditos (Escrituras, 2011); e os dois títulos que servem de base a esta edição:
Antologia Poética e Inéditos (Assembleia Legislativa-BA, 2017) e Estuário dos Dias e Outros Poemas (EPP/Caramurê, 2016).
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Uma característica marcante na poesia de Florisvaldo Mattos é sua adesão quase exclusiva ao verso medido. De fato, são poucos os poemas
em que ele pratica o verso livre. Aliás, pratica-o muito bem. Exemplo disso é o poema “A Edição Matutina”, uma homenagem post mortem
ao cineasta Glauber Rocha, que foi colega do autor no jornalismo baiano. Trechos desse poema estão no
boletim n. 396.
Dado o predomínio do metro na poesia florisvaldiana, todos os poemas da minisseleta ao lado obdedecem a formas fixas. Na verdade,
são todos sonetos, nos quais prevalece o verso decassílabo. Somente um deles, “Amanheceres”, constitui um sonetilho, no caso uma
composição com versos de quatro sílabas.
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Passemos aos poemas. O primeiro é “Água Preta”, antigo nome de Uruçuca. No texto, o poeta parece recordar o momento em que teve de
abandonar o ninho para ir estudar em cidade maior. “Na Rua do Apertucho, com tristeza, / me despeço de mim, dos meus amigos”.
A nota mais profundamente doída vem no fim: “do telhado / desce o gado manso do tempo, rumo / ao fundo do rio chifrando ausências”.
Adeus, Água Preta.
Vem a seguir o sonetilho “Amanheceres”. Trata-se de um exercício em que o poeta, com destreza verbal, condensa em pílula poética
o sentimento do ser urbano que “se perde / (...)// nas alegrias / do asfalto mudo”. A conclusão é forte: “Sonhar é tudo”.
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Nos três sonetos à frente, retornamos às recordações de infância e juventude do autor. Em “Velhas Estações de Trem”, o poeta —
que viu as ferrovias ainda em plena atividade — descreve com emoção a convivência com as gares de outrora. “Ó trilhos despertados na saudade, /
curvas que a mão dos anos enferruja!”. Um soneto de feição inglesa (com dois últimos versos rimando entre si) que traz toda a poesia
das velhas estradas de ferro que o Brasil, com os olhos tapados por interesses automobilísticos, simplesmente entregou à ferrugem do tempo.
O soneto “Vozes da Mercadoria” funciona como uma espécie de continuação de “Água Preta”. Naquele, o jovem se despede da vida bucólica.
Neste, ele anuncia: “Agita-se o comércio; estou na vila”. E mais: “Na calçada de paralelepípedos / abre-se o sol risonho do dinheiro /
(...) / o sacro império da mercadoria”.
No último poema da seleta, “O Menino, o Padre e o Sermão”, o garoto, aspirante a sacristão, conta suas reações na igreja, diante das
novenas, das moças em flor e do olhar reprovador do sacerdote.
Que o poeta Florisvaldo Mattos permaneça por muito tempo contando essas deliciosas histórias de um Brasil que a maioria de nós,
chegados depois, não tivemos a oportunidade de conhecer.
Viva o poeta e viva a poesia.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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