Amigas e amigos,
Na edição 464, em abril deste ano, o poesia.net reuniu oito autores com poemas que, de alguma forma, põem o sol em primeiro plano. Ao receber o boletim,
o poeta e teatrólogo brasileiro-francês Pedro Vianna me escreveu sugerindo um boletim centrado na lua.
Esta edição atende à sugestão de Vianna. Pesquisei no acervo do boletim e localizei seis poetas e seis poemas voltados para a lua. Naturalmente, como esta página
não pode ser caracterizada como romântica ou marcadamente metafísica, a faceta lunar que menos aparece nos poemas escolhidos é a “lua dos namorados” ou o astro
dos mistérios e assombrações.
Na seleção ao lado juntam-se seis poetas. Primeiro, o paulista Guilherme de Almeida ((1890-1969) e o baiano Uaçaí Lopes (1957-). Em seguida, vem
o paulista Cassiano Ricardo (1895-1974) e o carioca Fernando Mendes Vianna (1933-2006). Por fim, dois pesos-pesados da poesia: o pernambucano
Manuel Bandeira (1886-1967) e o mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
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Guilherme de Almeida
poesia.net n. 17
Uaçaí Lopes
poesia.net n. 383
Comecemos com dois haikais de lua molhada. Primeiro, Guilherme de Almeida, com
“Noturno”; e depois Uaçaí Lopes(1957-), com “[Após a invernada]”. Os dois poetas
escrevem sobre a mesma lua refletida nas poças do chão. Almeida descreve uma
imagem urbana, enquanto Lopes mira os múltiplos reflexos do satélite no leito de
estrada, após a chuva, em ambiente aparentemente rural.
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Cassiano Ricardo
poesia.net n. 295
Vem a seguir a “Lua Cheia”, de Cassiano Ricardo. Aqui, por meio das metáforas do poeta de São José dos Campos-SP, o disco lunar se apresenta como um botijão
de leite que vai pingando luz branca pelo caminho. Esta lua corresponde à formulação mais antiga entre todas as que aparecem ao lado. Cassiano publicou este
poema no livro Martim Cererê, de 1928, ainda sob os primeiros influxos do modernismo de 1922.
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Fernando Mendes Vianna
poesia.net n. 333
O poeta Fernando Mendes Vianna nos traz a primeira lua mais agitada. Seu poema “Litania Feroz” mostra um satélite ligado a conhecidos fenômenos
físicos como a gravidade e as marés. Mas o texto também conecta a lua ao “uivo longo” que provoca em seres humanos supostos procedimentos aluados.
“Tempestuosa lua, lua feroz, / uivo no espaço, dentro de nós”. O uivo também remete a lobos, lobisomens e outros seres que, ao longo dos séculos,
as histórias populares costumam associar à lua.
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Manuel Bandeira
poesia.net n. 335
Manuel Bandeira, no poema “Satélite”, de seu livro Estrela da Tarde (1950), traz à cena outra lua: o astro que, em nosso sistema solar, gira como um satélite
da Terra. Observe-se, aliás, que Bandeira escreve Lua, com inicial maiúscula, para sinalizar essa condição astral, assim como também se grafam os nomes de Vênus,
Marte, Plutão. Uma “Lua baça/ (...) / Muito cosmograficamente / Satélite”.
Para que não haja dúvida, na segunda estrofe, Bandeira desveste o astro de qualquer atribuição metafísica: não é a lua dos namorados nem dos loucos, nem
inspiração para pensamentos misteriosos e românticos. É apenas um satélite.
Um detalhe: este poema de Bandeira é o único dos seis transcritos ao lado que não havia sido publicado antes neste boletim.
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Carlos Drummond de Andrade
drummond: 100 anos n. 5
Agora, para fechar com chave de ouro — ou de prata, como a luz da lua? —, vem o poema “O homem; as viagens”, de Carlos Drummond de Andrade. Aqui, o ponto fulcral
é o ser humano. A lua entra apenas como um sonho de conquista espacial. Já na primeira estrofe, o homem, “bicho da Terra tão pequeno” (alô, Camões!), resolve
expandir-se para a Lua (aqui também com letra maiúscula: um lugar, o satélite).
Atenção para os oito versos que repetem a palavra “Lua”. Uma repetição que fatalmente conduz a “O homem chateia-se na Lua” (segunda estrofe). Então, o proceso
se repete: “Vamos para Marte”. E o que acontece lá? “Coloniza / civiliza / humaniza Marte com engenho e arte” (alô, Camões! outra vez). E assim as coisas vão.
Depois de Marte, Vênus etc. e até o Sol. Então, não há mais aonde ir. Para Drummond, resta ao ser humano fazer uma viagem “de si a si mesmo”, a fim de “civilizar /
humanizar / o homem”, descobrindo, em suas próprias entranhas, a alegria de “con-viver”.
É interessante frisar que este poema foi escrito num momento em que estava em alta a chamada corrida espacial, na qual as duas superpotências, Estados Unidos e União
Soviética, disputavam, nos campos científico e propagandístico, para ver qual realizava os maiores feitos na conquista do espaço. “O homem; as viagens” é filho
legítimo de Drummond, poeta e cronista. Sua primeira aparição se deu no jornal Correio da Manhã, no qual Drummond cronicou de 1954 até
1969.
Outros aspectos se destacam neste poema. Um deles é a deliciosa mescla de linguagem erudita, incluindo citações de Camões, com a linguagem popular e gírias
do final dos anos 60: “chatear-se”, “fundir a cuca”, “estar na fossa” e o adjetivo “quadrado”, com o sentido de antiquado, obsoleto. Outro aspecto é a livre criação
de palavras, como “insiderável” (que não pode ser queimado ou fulminado), “dangerosíssima” (palavra derivada do inglês danger = perigo) e “con-viver”.
Deixei para o fim o detalhe mais poderoso e intrigante: “O homem; as viagens” foi publicado no jornal em 20 de julho de 1969 — exatamente o dia em que a missão Apolo 11
da NASA permitiu que o homem pisasse pela primeira vez na superfície da Lua. É o poeta-cronista Drummond em todo o seu esplendor.
Este poema antológico não havia aparecido até agora em nenhum número deste boletim. Foi publicado na edição n. 4 da série
drummmond: 100 anos (setembro a dezembro de 2002), que deu origem ao poesia.net.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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