Amigas e amigos,
Em sua concepção original, o boletim poesia.net foi pensado para apresentar um poeta por edição. Contudo, a partir de certo momento, decidi
organizar edições temáticas. Assim, desde 2009, já circularam vários boletins com poemas de múltiplos poetas, reunidos com base num tema. Exemplos:
chuva (n. 454);
morte (n. 434);
pinturas (n. 416);
água (n. 356);
amor (n. 354);
poesia (n. 324).
Houve também edições com vários poetas montadas a partir de critérios como
inícios marcantes (n. 424 e
n. 426);
“poemas de tirar o fôlego” (n. 406);
textos de poetas-mulheres falando da condição feminina (n. 382);
poemas inspirados na Bíblia (n. 309);
poemas que viraram letras de canções (n. 299);
e poemas para crianças (n. 267).
Desta vez, voltamos à ideia dos poemas temáticos. Agora a palavra-chave é o astro-rei “sol”. Após uma busca no acervo do poesia.net, selecionei
oito
poemas de oito poetas que, de maneiras diferentes, põem o sol em primeiro plano. A seguir, trato de cada um deles separadamente e indico de qual edição o
poema foi extraído. Vamos a eles.
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Sá de Miranda
poesia.net n. 65 (2004)
Contemporâneo de Camões, o poeta luso Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) forma, junto com o autor de “Os Lusíadas”, a dupla de autores mais lidos do século XVI,
em português.
Escrito há quase 500 anos, seu soneto “O sol é grande” discorre sobre a mutabilidade das coisas (“Ó cousas todas vãs, todas mudaves”). O tema, aliás, é o mesmo
cantado por Luís de Camões em seu soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
O soneto de Sá de Miranda entrou nesta seleção justamente por destacar o sol num momento do ano que costuma ser frio. Daí ele parte para a observação das mudanças
de tudo no decorrer do tempo.
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Luiz Roberto Guedes
poesia.net n. 125 (2005)
O segundo poema de nossa sequência ensolarada é “Nudista em revista”, do poeta Luiz Roberto Guedes (São Paulo, 1955). O texto parece resultar da observação da foto de
um grupo de nudistas que compõe um “tableau vivant debaixo do sol”.
Aparentemente, na cena, entre os praticantes do naturismo livre de roupas predominam pessoas de certa idade, como o homem “cinquentão de traseiro magro e pernas
finas”. Com requintada ironia, o poeta chama as mulheres de “varoas”, o que supõe figuras opulentas.
Neste poema e em outros de sua lavra, Guedes parece escrever como quem fotografa, focando detalhes e ângulos mais propícios à boa imagem.
Na primeira versão deste boletim, publiquei este poema tal como saiu na
edição original, indicada acima. O autor, no entanto, esclareceu que o poema foi
depois publicado em seu livro Erosfera (Lumme Editor, 2017), com
alterações. No texto ao lado, essas alterações já foram adicionadas.
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Rodrigo Petronio
poesia.net n. 150 (2006)
Professor universitário e poeta, Rodrigo Petronio (São Paulo, 1975) publicou em 2005 o livro Pedra de Luz no qual se encontra a suíte “Assinatura do sol”,
um poema longo dividido em 16 partes. O texto foi escrito com base em 16 fotos de Joaquim Cabral, fotógrafo português que morou na África durante algum tempo.
As imagens retratam pessoas e paisagens africanas.
No bloco “VII” da suíte, Petronio recorre aos orixás para figurar situações nas terras do outro lado do Atlântico. “É Iansã quem move esse motor de água invisível
que sopra com a brisa”. O poema, todo, é muito bonito, um canto que situa o homem diante das forças do chão e do movimento imprevisível dos deuses.
•o•
H. Dobal
poesia.net n. 249 (2008)
No poema “Réquiem”, o poeta piauiense H. Dobal (Hindemburgo Dobal Teixeira, 1927-2008) discorre sobre a desolação da estiagem nordestina. O sol inclemente
queima a terra e tosta a vida dos seres humanos: “Tão seco é o homem / nestes verões”.
Aliás, acrescenta o poeta, “o homem e os outros bichos esquecidos”.
Este poema foi publicado originalmente no livro O Tempo Consequente, de 1966. Mas o sol continuou sendo uma fonte de inspiração para H. Dobal. Vinte
e um anos depois, na coletânea Os Signos e as Siglas (1987), o poeta registrou este antológico e sibilante “Crepúsculo”:
Silencioso
Solitário
Sinistro
Um sol-poente
Celebra o suicídio da tarde.
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Carlos Drummond de Andrade
poesia.net n. 269 (2008)
O sol também é poente para os “velhos negociantes sem fregueses” reunidos no poema “Tempo ao sol”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Um texto
sensível sobre a velhice, publicado em Menino Antigo - Boitempo II, de 1973.
Sempre que releio este poema, lembro-me de uns senhores como esses da memória de Drummond. Reuniam-se num bar ou mercearia que ficava na
(hoje agitada e festeira) esquina das ruas Mourato Coelho e Aspicuelta, na Vila Madalena, em São Paulo. A loja, sombria, não vendia mais nada,
mas até o início dos anos 80 aqueles provectos senhores davam plantão lá, todos os dias, jogando dominó.
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Cida Pedrosa
poesia.net n. 245 (2008)
A roleta do sol também me indicou uma poeta que esteve neste boletim em abril 2008, treze anos atrás. É a pernambucana Cida Pedrosa (Bodocó, 1963), que
— coincidência — ganhou em 2020 o Prêmio Jabuti com o livro de poemas Solo para Vialejo (Cepe Editora, 2019).
O poema de Cida Pedrosa é “Um certo sol sobre São Paulo”. Trata-se de um canto de amizade, tecido sob o impacto do anoitecer na metrópole paulistana.
Na época em que saiu aqui, o poema era inédito. Não sei se autora o publicou depois em algum livro.
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João Cabral de Melo Neto
poesia.net n. 325 (2015)
A busca por poemas solares indicou outro pernambucano, João Cabral de Melo Neto (1920-1999), com o poema “Paisagem pelo telefone”, do livro Quaderna
(1960). Aqui, o sol na verdade está na imaginação do sujeito lírico, um homem que se envolve num devaneio sensual ao falar com uma mulher pelo telefone.
A presença do sol se faz sentir logo na primeira quadra: “eu diria / que falavas de uma sala / toda de luz invadida”. E o ambiente imaginado é uma “manhã
de praia / mais manhã porque marinha”.
A certa altura, o homem passa a dizer à interlocutora que também a imagina despida naquela claridade nordestina: “eu diria / que estavas de todo nua, /
só de teu banho vestida”. Finalmente, sedutor e malicioso, afirma que a amiga é uma criatura que não precisa da luz solar: tem claridade própria. Por isso,
diz ele, a água do banho apenas “libera a luz que já tinhas”. Que cantada! Quem disse que João Cabral só escreveu sobre pedras?
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Líria Porto
poesia.net n. 350 (2016)
A poeta mineira Líria Porto (Araguari, 1945) é a autora do último poema ao lado,
“Boca da noite”. No texto, os desencontros amorosos entre homem e mulher são
protagonizados por dois corpos celestes. O sol, com autoridade de macho e rei, “decretou / que a lua é frígida”. Isso depois de beijá-la,
fique claro. Mas a lua vai à forra, escancarando uma verdade incontestável: “o sol é estrela / de quinta grandeza”.
A poesia de Líria Porto tem desses achados envolventes, sempre manejando como armas o humor e a ironia. “Boca da noite” é um poema que, quando apareceu
aqui no boletim, era inédito. Não sei se a autora o incluiu depois em alguma de suas coletâneas.
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Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
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ERRATA
Alguns problemas de revisão na edição 263 (Emily Dickinson):
• Omiti a terceira estrofe da tradução no poema “255”.
• Nos comentários sobre esse mesmo poema, ficou fora uma palavra: “mas de fato a desmemória é que se impõe”.
• No trecho a seguir, também ficaram truncadas algumas palavras. Transcrevo a forma final: “O tradutor, não: a própria natureza de sua tarefa
o obriga a construir hipóteses e optar por uma delas”.
• Ao citar o poema n. “533”, insisti no número do texto anterior, o “255”.
• Por fim, um reforço: o nome da organizadora da poesia completa na versão americana é mesmo Cristanne Miller. Aí não há erro, mas alguém
supôs que fosse Cristianne.
Todas as correções já foram aplicadas à versão do boletim disponível no site Alguma Poesia.
Confira aqui. Agradeço aos leitores Ana Cecília
de Sousa Bastos e Maurício Benedito Barreira Vasconcelos por terem apontado alguns desses deslizes.
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NOVA REVISTA LITERÁRIA
Já está em plena rotação uma nova revista chamada Ventilador Literário. Conforme o editor-geral, o poeta Edney Cielici Dias, a publicação
reúne um site de divulgação e uma editora, “concebidos como um filtro latino-americano de literaturas”. De fato, o primeiro número contém
textos em português e em espanhol. A revista pode ser baixada gratuitamente no site
Ventiladorliterario.com.
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