Número 498 - Ano 20

Salvador, quarta-feira, 2 de novembro de 2022

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«Poesia promete sangue, suor, lágrimas, água, pão, flor e nada.» (Paulo Mendes Campos) *

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Poetas desta edição - 20 anos-02
Adriane Garcia; Roberval Pereyr; Solange Firmino // Graça Pires; Henrique Augusto Chaudon; Iracema Macedo // Fernando Campanella; Uaçaí Lopes; Angélica Torres Lima



Amigas e amigos,

Nesta edição continuam as comemorações dos 20 anos de circulação do boletim poesia.​net, que serão completados em 12 de dezembro. Conforme expliquei na edição anterior, convidei os poetas ativos e acessíveis que já apareceram no boletim para participarem destas comemorações.

Pedi a cada um que cedesse um poema inédito. Quarenta e cinco deles decidiram participar. Assim, seus poemas começaram a ser mostrados na edição anterior. O espetáculo prossegue neste número e nos três seguintes.

Mais uma vez, sinto-me na obrigação de agradecer a todas as poetas e todos os poetas que prestigiaram esta publicação, cedendo graciosamente seus poemas inéditos.

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Cada uma das cinco edições comemorativas inclui nove poemas, de nove poetas. O nome de cada autora ou autor é mostrado acima do poema, com a indicação da cidade onde vive. Além disso, mais abaixo, dou o link para o último boletim individual em que a/o poeta figurou. Lá, o leitor encontrará informações biobibliográficas, além de outros poemas do autor.


POETAS DESTA EDIÇÃO

• Adriane Garcia
poesia.net n. 422

• Roberval Pereyr
poesia.net n. 308

• Solange Firmino
poesia.net n. 170

• Graça Pires
poesia.net n. 483

• Henrique Augusto Chaudon
poesia.net n. 276

• Iracema Macedo
poesia.net n. 414

• Fernando Campanella
poesia.net n. 296

• Uaçaí Lopes
poesia.net n. 383

• Angélica Torres Lima
poesia.net n. 348


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O TÍTULO

Nesta edição, assim como na anterior e nas três próximas, o título do boletim foi extraído de um dos poemas. Aqui, a expressão “Lampejo de liberdade” veio do poema “Breviário da Fugacidade”, de Iracema Macedo.


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ALGUNS NÚMEROS

Durante estes 20 anos, o poesia.​net também sofreu alguns reveses. Um deles é a redução do número de assinantes por e-mail. Em 2017, quando o boletim completou 15 anos, registrei no site especial de aniversário a existência de 4 mil assinantes. Cinco anos depois, esse número foi reduzido em 25%. Agora há apenas cerca de 3 mil. Com a consolidação do WhatsApp e das redes sociais, muitos usuários abandonaram o e-mail.

Também houve perdas na página poesia.net no Facebook. Em 2017 eram 12,2 mil seguidores. Esse número avançou para 15 mil — e aí estacionou. Segundo os especialistas, o Facebook perdeu prestígio e os usuários migraram para outras redes, a exemplo do Instagram, do mesmo dono, a Meta.

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COMO ASSINAR O BOLETIM

Se você ainda usa o e-mail, é fácil assinar o poesia.​net. Basta ir ao site Alguma Poesia e lá clicar no botão “poesia.​net”. Preencha o formulário com seu e-mail, nome etc. O boletim seguirá gratuitamente para você.

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MAIS UM POUCO DE HISTÓRIA

Nunca supus que o boletim poderia estender-se por duas décadas. No início, eu acreditava que seria algo para durar um ano, talvez dois. Tanto era assim que a primeira ideia era alimentar o poesia.​net com os livros de poesia disponíveis na minha estante. Com um poeta por vez, eu teria combustível suficiente para muitas edições.

A ideia não estava errada. Entre 2002 e 2007, o boletim circulou com a periodicidade de uma edição por semana, todas as quartas-feiras, num total de 240 edições. Contudo, meu estoque de poetas “boletináveis” começou a fraquejar. Então, a partir de 2008, o boletim passou a ser quinzenal. A essa altura, o esgotamento de minha biblioteca começara a ser compensado por novos poetas. Ou seja, poetas que estavam surgindo ou nomes já ativos que eu não conhecia.


Boletins temáticos

Após essa mudança, surgiram os boletins coletivos, com poemas de vários autores, centrados em um tema. Apenas em edições mais recentes, de 2016 até agora, verifiquei que foram publicados cerca de 20 boletins temáticos. Citemos alguns, com os títulos. “Poeta, o que é o amor?” (n. 354); “Nove poetas no feminino” (n. 382); “Versos sobre tela” (poemas sobre pinturas - n. 416); “Cara a cara com a morte” (n. 434); “Cinco poetas sob a chuva” (n. 454); “Poemas vestidos de sol” (n. 464); “Poemas que viraram canções” (n. 470 e n. 299); “Tem gente com fome” (n. 472); “Poemas ao redor da Lua” (n. 474); e “O poeta vê a cidade” (n. 484).


Um abraço, e até a parte 3 de 5 destas edições especiais dos 20 anos do poesia.​net.

Carlos Machado


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Lampejo de liberdade


• Adriane Garcia  • Roberval Pereyr
• Solange Firmino  • Graça Pires
• Henrique Augusto Chaudon  • Iracema Macedo
• Fernando Campanella  • Uaçaí Lopes
• Angélica Torres Lima


                poesia.net - 20 anos [2]

              



Poetas - poesia.net 20 anos-01
Poetas desta edição: Adriane Garcia; Roberval Pereyr; Solange Firmino // Graça Pires; Henrique Augusto Chaudon; Iracema Macedo // Fernando Campanella; Uaçaí Lopes; Angélica Torres Lima




Adriane Garcia  • Adriane Garcia
Belo Horizonte, MG

JUSTA CAUSA

Você não conhece Anamaria
Menina-sanduíche da rua Goitacazes
Anunciando vagas de estacionamento?

Por trás da placa de Anamaria existem
Dezesseis anos de passado, uma barriga
E uma futura menina-sanduíche

Que se quiser continuar
Anunciando vagas de estacionamento
Não pode engravidar do patrão, Anamaria!



Roberval Pereyr  • Roberval Pereyr
Feira de Santana, BA

PAISAGEM ONÍRICA – 3

Ao sul de meus medos,
o Império que rosna.

Há poetas na forca.
Há mentira no gado
que pasce no jardim do Palácio.
Um gago ensaia um hino, um sino
desaba ao norte,
o sol é devorado pelo eclipse.
Alice regressa ao final da tarde
e me abraça:
esteve colhendo ervilhas
nos campos de uma carta de baralho.

O rei era oco, não havia pacto: lá
todo número é ímpar: lá,
tudo é só. E se apaga. Inclusive meus rastros.
E no tempo das pragas, Deus recolhe os impostos
e foge.



Aldemir Martins - Galo
Aldemir Martins, pintor cearense, Galo




Solange Firmino  • Solange Firmino
Rio de Janeiro, RJ

DESENCANTO

Perdidas de suas árvores cortadas,
as aves começaram seus voos solitários.
Foi num tempo sem esperança.
Acho até que sonharam com gaiolas.



Graça Pires  • Graça Pires
Parede, Portugal

AQUI, NESTE LUGAR

O lugar propício à permuta
de múltiplas vozes é aqui,
onde uso a liturgia das palavras
em silenciosa distância,
em rostos adivinhados,
para estreitar um cúmplice abraço.

Através do futuro ecoará aqui, para sempre,
o clamor daqueles que desafiam
as sombras, resistem a todas as tiranias
e ousam ser livres, na límpida visão
humana reinventada em cada dia.

Aqui, neste lugar, daremos as mãos
com a força inabalável da coragem.




Aldemir Martins - Galo VI
Aldemir Martins, Galo




Henrique Augusto Chaudon  • Henrique Augusto Chaudon
Niterói, RJ

AS BOAS NOVAS

Tudo no mundo
há muito está
às claras escondido.
Tudo
em silêncio ou alarde
já foi dito.
Bem pouco basta
para olhos e ouvidos
de ver, ouvir.

Mas vivemos
confortáveis
no olvido.



Iracema Macedo  • Iracema Macedo
Maricá, RJ

BREVIÁRIO DA FUGACIDADE

Se tens um pequeno ofício, pratica-o calado
pode ser um lampejo de liberdade
Se tens amigos, convida-os ao cinema, aos saraus,
aos bazares, aos bares, à sala de tua casa
a uma brincadeira no parque
a todo tipo de ares
Se tens um amor, dedica-te
na cozinha, no quarto, no jardim
O amor é a melhor culinária do mundo
Se tens um filho que deseja partir,
deixa-o ir
Se tens uma janela: usa-a
nenhuma rua repete o mesmo cenário



Aldemir Martins - Galo
Aldemir Martins, Galo (1957)



Fernando Campanella  • Fernando Campanella
Pouso Alegre, MG

COM A MEDIDA DO BONFIM

A moça na janela
não usa brinco de pérola
mas também atrai pelo olhar
toda alma de artista

É da Bahia, traz na voz
o molejo dos Nagôs
e no pulso direito
a fitinha do Bonfim.

Que destino a aguarda?
Vender água de coco pra turistas
como sua avó
ou tapioca pelas ruas
como a tia?

(Desde os tempos de criança
tem um desejo — me diz querer
ser pintora, ou ampliar seu universo
na arte da fotografia.)

A moça na janela...

Que Oxum regue a branca rosa de seu peito.
Que o Senhor de todos os santos
vele por seus sonhos, e preserve um tal sorriso —
que é dos simples — de menina —
que, eu que parto, guardo comigo, levo dela.



Uaçaí Lopes  • Uaçaí Lopes
Salvador, BA

A ARTE DA PALAVRA

      O resto é silêncio.
        Shakespeare, em Hamlet

A poesia, pura arte,
é lenta criação do nada.

E, como nada nasce sem tomar forma,
o poeta com as palavras
ao dar forma ao sentimento: cria o poema.

O poema é música, puro som,
para ser lido no mistério
da semente,
que surge do nada e aí germina:
    o resto vem do leitor,
em sentimento, do não dito
em pensamento.

O resto é o movimento, pura labuta.
No poema a poesia é o que a palavra
quer impor em sua ânsia
de nascer da dor, da alegria:
o resto é o silêncio.



Angélica Torres Lima  • Angélica Torres Lima
Brasília, DF

MASCARADA

As faces que trago na máscara
modelaram a frio e quente
o meu retrato:
personagem e caricatura
escultura e fato.
Pranto riso a vida descarnada
a alma às claras sem farol
oriente bússola oráculo.
Nua me veste o fado.




poesia.​net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2022



poesia.​net - 20 anos - Poetas participantes desta edição:

Adriane Garcia  Roberval Pereyr  Solange Firmino  Graça Pires
Henrique Augusto Chaudon  Iracema Macedo
Fernando Campanella   Uaçaí Lopes   Angélica Torres Lima

Poemas inéditos, cedidos pelos autores para a comemoração dos 20 anos do boletim.
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* Paulo Mendes Campos, "Corisco no Parque", in Diário da Tarde (1981)
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* Images: quadros do pintor cearense Aldemir Martins (1922-2006)